Torre - 16 - Aconteceu um imprevisto

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Muitos dos demi-humanos que vi são estruturalmente semelhantes aos humanos que vi. Os bestiais que vi nessa vila, tirando a posição e estrutura de suas orelhas e seu rabo, têm feições e corpos totalmente humanos. Nós, elfos, também somos muito semelhantes a eles.

E então me surgiu uma dúvida. — Poderíamos ser uma espécie desenvolvida de um ancestral comum dos humanos, ser uma raça ou mesmo espécie evoluída a partir dos humanos ou simplesmente evoluímos para a forma humanoide a partir de outras espécies?

As teorias da evolução da espécie humana ainda é envolta de muitos mistérios. A teoria que eu mais acreditava era a de desenvolvimento do primata em ambiente aquático. Um outro nome que se dá aos seres humanos é "macacos pelados", ou seja, somos desprovidos de pelagem como os outros primatas e um dos motivos que acreditam ser a causa disso é a adaptação deles ao ambiente aquático.

Grupos de uma espécie de primatas podem ter migrados seu habitat, por algum motivo oculto, permanentemente para o mar. Ficando assim por muitas gerações e quando a espécie retornou à terra firme, seu corpo ereto já era propício ao nado tanto quanto a falta de pêlos.

Estamos agora em frente à loja que vendemos as pulseiras ontem.

— Você não presta pra fazer nada mesmo, heim?! — Era voz do lojista que dava pra ouvir mesmo da rua.

Sem titubear, entrei pela porta já aberta, deixando os dois do lado de fora.

— Com licença! — gritei logo ao entrar para chamar a atenção.
— Hã? Ah. E aí garoto? Veio vender o resto das coisas? Tsk... — Ele tinha se virado para mim, mas agora olhou pra trás. — Entre já no quarto! Agora! — Ele deu um empurrão com um chute no fundo da loja. Então veio até próximo a mim.
— Sim. Está do lado de fora.
— Ótimo. Vamos lá ver então.
— Espere um minuto.
— Hum? Que foi garoto?
— Por que você mantém um escravo que você acha inútil? — encarei-o.
— Ah. Aquele pirralho fedorento? Não tive muita escolha não, garoto.
— Um pirralho? É um menino então?
— É sim. Por quê? Pra mim virou um estorvo esse pirralho. Fiz um péssimo negócio.
— Que negócio você fez?
— Não é da sua conta garoto... Espera... Como que tá a finança da sua vila?
— Hummmm... Não é da sua conta? — tive que devolver essa.
— Haaa... Tá legal. Recebi esse pirralho em troca de uma dívida. Como você vê, meu negócio não anda muito bem, mas achei que fiz um bom negócio, pois consegui um escravo jovem bem abaixo do preço de mercado.
— E qual foi o problema?
— O problema?! Ele é jovem demais pra trabalhos braçais e ainda já veio desnutrido e doente. Tento dar tarefas simples pra ele, mas não consegue fazer nada direito. Tentei vendê-lo, mas ninguém quer comprar esse fedorento doente. Eu já não sei mais o que fazer com ele...
— Tá. E o que isso tem a ver com as finanças da minha vila?
— Bem... Se você tá vindo a negócios aqui, mesmo você sendo apenas um garoto, deve ter vindo com algum poder de decisão, não é?
— Minha chefe confia em mim. Eu acho...
— Certo, certo. Olha, não seria um mal negócio se vocês tiverem um escravo pra vocês. Pra mim eu precisava de um resultado imediato, pois não tô podendo sustentar um escravo por tanto tempo sem ele trabalhar, mas e pra vocês?
— Você tá querendo me empurrar seu escravo doente?
— Espera. Eu faço um bom desconto! E ainda pago pelo contrato.
— Hum... Quanto?
— 2 moedas!
— 2 moedas de prata eu acho que consigo sim.
— É de ouro...
— Hã?
— Pra mim me custou 3 moedas de ouro, além das despesas que tive. Um escravo de 12 anos tá custando de 5 até 10 moedas por aí. No caso os bestiais.
— E quanto custa um elfo?
— O que?
— Um elfo, como eu, quanto custa?
— Bem... só ouvi uma vez que em outra região uma elfa foi vendida a 100 moedas de ouro. Na nossa região nunca vi.
— 1 moeda.
— Mas o que?! Não, não. Assim não tem cabimento!
— Mais os produtos no carrinho.

Se eu fosse contar com os valores que senhor Thorel tinha anotado, o resto dos produtos no carrinho somaria em torno de 50 moedas de prata. Então tecnicamente estaria oferecendo 1 e meia moeda de ouro.

Eu estou tentando manter a calma nesse negócio, mas a minha vontade era de pular no pescoço desse cara. Ele está tratando o pobre garoto como se fosse uma mera mercadoria. Uma vida sendo negociada por alguns gramas de ouro em moedas.

Não. Eu não acho que a vida desse garoto valha 1 e meia moeda de ouro, mas se eu pagar mais, quem irá se beneficiar é esse traste na minha frente. E se eu oferecer menos, é capaz de ele recusar a oferta. De qualquer maneira eu não sei o que a senhora Finarla irá achar disso, mas eu simplesmente não posso ficar inerte diante dessa situação.

Eu poderia mesmo voar no pescoço dele e resgatar esse garoto a qualquer custo, mas isso chamaria muita atenção a mim, além de estar cometendo um crime. Infelizmente é como esse mundo é. Se em algum dia eu puder resolver tudo isso, com certeza o farei, mas hoje, se eu puder resolver de maneira pacífica, seria a melhor opção.

— Hummm... Vamos ver o que trouxe. Pode ser?
— Tudo bem. Espere um momento aqui.

Então voltei lá pra fora. Soha estava sentada no chão, jogando pedrinhas pequenas. É um milagre que ela não quis entrar dessa vez. Ao me ver ela se virou pra mim e em um pulo ficou pé, batendo a poeira das pernas e bunda dela.

— Já resolveu, Thalli? — indagou ela.
— Ainda não. Pai. Aconteceu um imprevisto. — Me virei então para meu pai que estava recostado de pé no carrinho.
— O que foi?
— O que você me falaria se levarmos um escravo conosco?
— É aquela garotinha?! — Soha entrou no meio.
— É, Soha.
— Thalli? Você recebeu alguma ordem específica da Finarla? — perguntou meu pai.
— Pior que não. Eu planejei toda a viagem. Ela confiou tudo em mim, pelo visto.
— Então faça como quiser.
— Mas ninguém na vila poderia reclamar?
— Você conhece a situação da vila mais do que ninguém hoje. Todos te agradecem pelo seu esforço. Quem iria reclamar?
— Hum. Tá bom então. Vamos levar o menino.
— É um menino?! — Soha interrompeu.
— Sim. Por quê?
— É só que... Nada. Deixa pra lá. Vai logo então.
— Tá. Me ajuda a carregar essas sacolas então.

Entramos os três na loja, com as sacolas de mercadorias nos braços.

— Aqui está. Pode conferir, senhor...?— Coloquei as sacolas no chão em frente ao balcão.
— Ah. Me desculpe. — Ele estava no fundo do balcão mexendo em algo. — E eu esqueci de me apresentar. Me chamo Fernan. Prazer em fazer negócios contigo, garoto. Vamos dar uma olhada.
— O prazer é todo meu. Me chamo Thalli.

Fernan conferiu todos os produtos no balcão e agora estava coçando a cabeça, olhando para o cálculo dele.

— Hummm... Fechado! Mas fique sabendo estou perdendo muito nessa, heim! Vou chamar o fedorento. — Ele foi para a portinha do quarto e abriu. — Ei! Venha!

Depois de alguns segundos, com passos cansados, surgiu de novo em nossa frente aquele "menino" de orelhas caídas, cabisbaixo e rabinho imóvel.

— Você não trabalhará mais aqui. Você vai com eles agora. Entendeu? — Fernan se inclina com as mãos no joelho e fala com ele.

O menino levanta lentamente a cabeça, olhando ora o Fernan e ora a mim com os olhos arregalados.

— Olá. Me chamo Thalli. Qual o seu nome?
— Elly. Meu nome é Elly... senhor.

A Jogada de ThalliOnde histórias criam vida. Descubra agora