Visita pouco ortodoxa

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O quarto estava na penumbra, recebendo apenas a luz que vinha do corredor.
     
Felipe dormia num estado febril. Os cabelos lisos e negros estavam grudados no suor em sua testa, e seus lábios estavam ressecados.
     
Vendo-o ali, tão vulnerável, Karen entendeu o que sentiam as enfermeiras que o atendia.

Mas olhando melhor, Felipe possuía a beleza virginal de uma mente pura, livre de coisas profanas. E parecia muito errado olhar pra ele de outro modo.
     
Karen apanhou uma toalha que estava na mesinha de medicação, umedeceu, e enxugou a testa de Felipe. Depois deslizou por seu pescoço, afastando discretamente o avental, e descobrindo parte de seu tórax.
     
Felipe tinha um corpo perfeito. Num gesto ingênuo, Karen descobriu no peito de Felipe, uma cicatriz em forma de V invertido. Sem conter a curiosidade, largou o pano e tocou a cicatriz com a ponta do dedo.
     
A cicatriz lhe causava arrepios, mas ao mesmo tempo, estava tendo um Dejavu. Aquela cicatriz lhe parecia tão familiar que chegava a ser assustador.
     
Felipe remexeu-se e balbuciou alguma coisa. Vendo-o tão vulnerável, Karen foi invadida por um sentimento de ternura tão grande, e começou a afagar-lhe os cabelos de maneira carinhosa.

***

Felipe estava longe em seus sonhos. Tinha voltado a ser um garotinho, e sua mãe estava colocando ele pra dormir. 
    
 Era um momento raro ter a mãe ali a noite... ela sempre estava trabalhando e só ficava com ele quando ele estava doente. Ele passou a gostar de se machucar... assim poderia ter a mãe mais perto.
     
Agora ele estava ali deitado, se preparando pra dormir, e a mãe estava afagando seus cabelos... Felipe estava com muito sono, mas não queria dormir, pois sabia que assim que dormisse, a mãe iria embora.
     
O sonho era muito vívido. A silhueta de sua mãe era muito real, e ele podia mesmo sentir seus dedos longos penetrando em seus cabelos.

Os sedativos que tomou eram muito fortes, e ele precisou fazer um esforço para tentar voltar à realidade. Num esforço, ergueu a mão e tocou os próprios cabelos, descobrindo entre eles uma mão real.

– Quem é você? – Felipe estava aflito, mas falava com dificuldade – O que pensa que está fazendo?
     
– Calma! Fica tranquilo. – Karen estava atônita por ter sido pega em flagrante, mas tentou manter a naturalidade – Sou só uma amiga, que veio cuidar um pouco de você. Eu sei quem você é... sei que você é padre, então não se preocupe.
     
Felipe relaxou o corpo e pediu água. Karen pegou água na mesinha, depois colocou o braço por trás da cabeça dele, e aproximou o copo de seus lábios, dando-lhe de beber.

Felipe tentou abrir os olhos, mas tudo o que via era um vulto enevoado.
     
– Obrigado! – disse num sussurro quase inaudível – Por acaso você é enfermeira?
     
Karen pensou em dizer que sim, mas acabou negando. Felipe sorriu e fez sinal para que ela se aproximasse de seus lábios para escutar melhor. Quando Karen se aproximou, ele confessou.
     
– Não gosto das enfermeiras daqui! Tenho a impressão que estão sempre me tocando, pegando em mim...
     
Karen sorriu compreensiva.
     
– Sei bem como é. Mas não as culpo. Você é bem bonito, está destruindo os corações delas!
     
Felipe sorriu com dificuldade. E falou, já com um pouco mais de facilidade.
     
– Gostaria de saber qual seria a reação delas se me vissem celebrar a missa de domingo.
     
Karen soltou uma gargalhada divertida.
     
– Não quero destruir seu ego, mas sabe o que provavelmente diriam? Elas pensariam assim: Nossa, que padre bonitão! Que desperdício. E Já esteve nas minhas mãos, e eu não aproveitei. E sairia dali fazendo piada com as amigas sem um pingo de remorso. Elas estão atraídas por causa do mistério. Você passou a ser uma espécie de troféu para elas.
     
Felipe estava constrangido pelo jeito como ela falava.
     
– Do jeito que você fala, parece que sou irresistível. Você me acha atraente?
     
Karen parou de afagar os cabelos dele por um instante, surpresa de ver o quanto ele estava ficando convencido.

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