Karen prometeu à enfermagem que iria se comportar, mas na manhã seguinte, lá estava ela, no quarto de Felipe, velando seu sono, enquanto ele dormia. Felipe tinha uma expressão tão tranquila que encheu Karen de ternura.
Karen relembrou os momentos de angústia que tinham passado... a valentia que ele demonstrou diante daqueles monstros, a maneira destemida como empunhou a arma na cabeça daquele delinqüente...
Lembrava-se da maneira como bateram nele, como o tinham colocado de joelhos, a arma no peito dele, o som de disparo... todos esses pensamentos giravam na cabeça de Karen.
Aquele tiro poderia ter acabado com a vida dele, e ela nunca mais poderia ter a chance de olhar para esse rosto tão lindo...
O coração de Karen ficou apertado, como se fosse explodir dentro do peito. Não podia acreditar na sorte de ter sobrevivido, e de ter Felipe ali, vivo, e ao seu lado.
Quando Karen ficava sozinha, esses fantasmas ficavam rondando sua mente, e precisava certificar-se de que Felipe estava mesmo vivo, e que não era só um fruto da sua imaginação.
Tinha prometido às enfermeiras não mais incomodá-lo, mas só ao lado de Felipe se sentia em segurança.
Felipe revirou-se na cama, e Karen afagou-lhe os cabelos, ternamente.
Felipe acordou sobressaltado, e sorriu ao ver que era Karen.
Karen ficou estarrecida diante daquele sorriso de bom dia, e desejou acordar todas as manhãs com ele.
Felipe esfregou os olhos, ainda sonolento, e perguntou surpreso.
- O que faz aqui a essa hora da manhã?
Karen sorriu encabulada.
- Vim só pra te ver... Ai Felipe! Sinto-me uma boba, mas quando estou sozinha, é como se nada disso fosse real. Fico pensando que tivemos um final trágico, e estou num limbo, e tudo isso é só fruto da minha imaginação. Minha mente tem me pregado peças... muitas memórias confusas se misturam... e me fazem acreditar em coisas que não aconteceram de verdade. Daí eu entro aqui e te vejo aí, cheio de manha, e tenho certeza de que pelo menos você não é um sonho.
Felipe sorriu compreensivo. Entendia a amiga melhor do que ninguém. No seminário, estudou psicologia e sabia que ela estava sofrendo de estresse pós traumático.
Felipe não queria assustá-la, então guardou sua opinião pra compartilhar com um médico, mais tarde.
- Não precisa se preocupar, isso é bem comum nos primeiros dias. Eu mesmo também custei a acreditar até que você apareceu aqui sem mais nem menos. Quanto ao fato de você dizer que estou cheio de manha, tomei um tiro na perna, e isso dói pra burro!
Karen sorriu carinhosa.
- Está vendo quanta manha?! Eu também levei um tiro e estou aqui pronta pra outra.
Felipe achou legal ela fazer piada com o ocorrido.
- Está bem, confesso que você é mais valente que eu. Mas o que posso fazer? Você trabalha como salva-vidas, é atlética e habilidosa, e eu sou só um sacerdote recluso!
Karen sorriu divertida, e resolveu provocá-lo.
- Ainda bem que acertaram seu músculo mais exercitado... mas acho que se você não se recuperar... terá que deixar de ser padre.
Karen pensou que Felipe ia rejeitar veementemente a ideia, mas ele a surpreendeu com o que disse.
- Sabe, Karen... confesso que isso já passou pela minha cabeça! Mas ainda estamos sobre a pressão de tudo isso... às vezes fico pensando: o que eu faria se não fosse padre? Sou formado em psicologia, mas não saberia exercer a profissão... talvez eu vire um pipoqueiro, e faça sucesso vendendo pipoca na praça da igreja.
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Caleidoscópio
RomanceKaren volta ao litoral, para tentar desvendar seu passado, e para isso, vai contar com a ajuda do puro e singelo amigo Felipe, mas não imagina que está abrindo uma verdadeira caixa de pandora que irá abalar a sociedade litorânea!