O primo Paulinho era surfista. E não era apenas um garoto rico brincando de surfar, ele era um ótimo surfista. E andava com uma galera bem diferente do círculo social de madame Esmeralda.
Seu grupo era formado por jovens da periferia, que viam no surf uma oportunidade de sucesso e motivo pra fugir das drogas.
Esse grupo era liderado por uma jovem chamada Silvana, uma figura bem exótica, de cabelos coloridos, cheia de piercings e tatuagens por todo o corpo, e roupas de hippie, mas apesar do visual pouco ortodoxo, ela estava cursando a faculdade de assistência social, e estava sempre antenada quando abriam novas oportunidades para os jovens.
Às vezes Paulinho chamava Karen e Kelly para vê-lo surfar, e elas adoravam o convite.
Assim que se conheceram, Karen e Silvana se tornaram boas amigas quase que instantaneamente.
Silvana ficou sabendo da paixão de Karen por mergulho submarino, e pelo fascínio que tinha pelo mar... soube também que ela já era uma enfermeira formada, e então chegou com uma proposta irrecusável.
- É perfeito pra você! Você gosta do mar, nada maravilhosamente bem, sabe primeiros socorros... O que te custa? Não me venha dizer que é falta de dinheiro porque sei que sua tia é muito rica!
Os olhos de Karen estavam brilhantes, mas ainda não podia pensar num passo tão importante.
- Mas não sei se vou ficar muito tempo. Vim para cá apenas para buscar algumas informações... pretendo voltar logo para minha terra e começar a exercer minha profissão de verdade. Me formei para ajudar pessoas que precisam de mim de verdade! Não um bando de ricassos granfinos!
- Amiga! Essa foi a coisa mais preconceituosa que já ouvi sair da sua boca! - Silvana fingiu estar chocada - Só porque são ricos, não significa que não precisem de ajuda também! Você tem um talento maravilhoso, e eles precisam do seu talento!
Karen sorriu rendida. Estava relutante em aceitar, mas no fundo, agradecia a Deus por esse concurso, pois era tudo o que precisava para se tornar independente ali no litoral.
- Está bem! Quando começam as inscrições?
- Será amanhã, a partir das 8!! - Silvana falava animada - traga todos os documentos da lista que te dei e chegue bem cedo! É um cargo muito concorrido, e não custa nada garantir!
- Está bem - Karen sorriu rendida - Pode contar comigo!!
Silvana a abraçou e gritou eufórica. Desde pequena sempre quis ser salva-vidas, e agora que o concurso abriu, estava receosa de fazer isso sozinha. Como a nova amiga topou fazer isso com ela, agora nada a impediria.
Karen estava eufórica. Ser salva-vidas era tudo o que poderia desejar no momento. Não queria ficar ociosa na casa da tia, acostumara-se a sempre trabalhar e ser independente, por isso esse concurso seria a distração perfeita.
***
Karen manteve o concurso em sigilo, pois não queria que a tia a impedisse de alguma maneira. Por isso saiu sem ser vista. Quando chegou ao local indicado, já haviam mais de duzentas pessoas na fila, e Karen riu ao ver o pequeno acampamento que Silvana montou.
As horas se arrastavam, enquanto a ansiedade apenas crescia. Às 8 em ponto foram distribuídas senhas... Às 10, as fichas de inscrição. Dali ainda tiveram que pegar fila no banco para pagar a inscrição e voltar para entregar agora os documentos pedidos.
Quando terminaram tudo, já tinha passado e muito do horário do almoço. Elas deram sorte de ser quase as primeiras num concurso que reuniu quase 6 mil inscritos.
As meninas estavam famintas, e mesmo Karen tendo dinheiro para comer num bom restaurante, estava com vontade mesmo era de comer um belo e simples cachorro-quente.
Silvana e Karen comiam seus lanches tranquilamente, quando de repente, um engravatado apressadinho esbarrou estupidamente em Karen, entornando o lanche cheio de molho e catchup em sua roupa.
Mesmo sendo o culpado, já que Karen estava parada no momento do acidente, o homem esbravejava a plenos pulmões, perguntando se ela não tinha olhos pra olhar por onde anda. Karen sorria incrédula e inconformada com tamanho absurdo, e foi então que o homem parou de esbravejar e a reconheceu.
- Karen? Karen Varemberg? É você mesma?
Ele tirou os óculos escuros para olha-la com mais atenção e só então ela o reconheceu também. O coração de Karen bateu de um modo esquisito... ele estava ainda mais lindo do que conseguia se lembrar.
- Daniel Vila Real!!! Como está diferente! Quase não o reconheci!!!
Daniel estava muito elegante, com os cabelos esmeradamente penteados para trás, óculos escuros, e um terno caríssimo, que agora estava todo manchado de molho de tomate.
Daniel não estava nada satisfeito com o encontro inusitado. Não parecia nada feliz em reencontrar Karen, pelo menos não naquela circunstância. Ao contrário, parecia extremamente embaraçado.
- Senhorita Varemberg!!! O que faz aqui no centro, nessa situação deplorável? Está parecendo uma sem teto!!
Karen estava animada com o encontro e não percebeu o quanto ele estava chocado. Pensou que ele estava apenas chateado pelo terno. Então respondeu animada:
- Estou me inscrevendo para o concurso de salva vidas que a guarda costeira abriu! Me desculpe pelo seu terno! Sinto muito! Pode me mandar a conta da lavanderia, que eu pago.
- Se inscrevendo??? - a indignação na voz de Daniel agora já não podia ser disfarçada - Uma Varemberg??? Querida!! Gente como nós não precisa concorrer. Se você quiser, pode simplesmente entrar pela porta da frente!!
Karen finalmente entendeu o desdém e ficou furiosa.
- Ao contrário do que você pensa, eu gosto de trabalhar! E gosto de conseguir as coisas pelo meu próprio esforço. O trabalho dignifica a alma!
Daniel deu uma gargalhada incrédula!
- Nossa!! Isso parece frase de carroceria de caminhão! Querida, eu não sabia que estava com problemas financeiros. Se não quer contar para a sua tia, talvez eu possa te ajudar. Pode contar comigo! Vamos! Vou te levar para comer em um restaurante decente... não precisa ficar comendo porcarias pela rua!
Karen estava magoada. Olhava para aquele rosto tão lindo e lamentava por ele ter opiniões tão fúteis. Não estava zangada com ele, só queria que ele entendesse.
- Você não entende, não é? Não faço isso por necessidade, faço pela diversão!! Adoro fazer coisas comuns, com gente comum, sem dar satisfações pra ninguém... ter dinheiro, as vezes é monótono! Faço isso pela adrenalina! Agora, se me der licença, vou comprar outro lanche, já que o primeiro... bem... você estragou!
Karen fez cara de inocente e o encarou com seus grandes olhos de longos cílios. Daniel ficou furioso e virou -se indignado, e se foi.
Karen e Silvana se olharam e explodiram em gargalhadas.
Silvana queria saber quem era o bonitão, e Karen explicou enquanto comiam mais um lanche.
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Caleidoscópio
RomanceKaren volta ao litoral, para tentar desvendar seu passado, e para isso, vai contar com a ajuda do puro e singelo amigo Felipe, mas não imagina que está abrindo uma verdadeira caixa de pandora que irá abalar a sociedade litorânea!