O regresso

23 3 2
                                    

Karen já tinha se refeito do susto, mas ainda estava atordoada. Encontrou na farmácia: seringas descartáveis, agulha para sutura, antisséptico e um pouco de lidocaína.

Desinfetou o ferimento do corte de faca no braço de Felipe, aplicou o anestésico e suturou a ferida, que precisou de seis pontos.

Felipe ainda estava catatônico, então Karen limpou-lhe os ferimentos das mãos e o abraçou.

Felipe chorou, como uma criança. Karen afagava os cabelos dele de forma carinhosa, enquanto ele dava vazão às lágrimas. Passado a comoção, Felipe falou, perplexo.

– Eu sou um monstro, Karen! Eu matei aquele homem! Eu sou um monstro perigoso! Eu tenho medo que um dia, esse monstro se vire contra você! Ou contra alguém que eu amo!! Eu sou um monstro perigoso, Karen! Eu preciso ser detido!

– Você não é um monstro, Felipe! Você é um herói! Você defendeu com a propria vida, a vida de alguém indefeso. Você não é, nem nunca foi um monstro. Monstro era aquele homem... Monstro, era também o outro homem que atacava sua mãe... E você nunca se intimidou. Não foi você quem o matou, você só lhe deu uns socos... O que matou ele de verdade foi o tiro do Capitão Levi. Você é meu herói, Felipe! Meu anjo protetor. Nunca duvide disso!

Karen se aninhou nos braços dele, como fazia em seus sonhos, quando ele era ainda um garotinho... seus sonhos sempre mostraram pra ela, como era sombrio o mundo de Felipe, quantas coisas ele suportou calado, e era a esse garotinho assustado que Karen estava agora consolando, e deixando claro que agora, ele não estava mais sozinho.

Felipe apertou ela em seus braços por um longo tempo. Depois beijou-a de forma carinhosa e intensa.

O capitão Levi entrou na cabana, surpreendendo os dois. Karen e Felipe se afastaram, tentando disfarçar, mas com um sorriso espalhafatoso, o Capitão deixou claro que sempre soube do relacionamento dos dois.

– Não se preocupem, crianças! O seu segredo está seguro comigo.

– Eu posso explicar! – Felipe tentou justificar – acontece que...

O capitão o interrompeu com outra gargalhada.

– Não é a mim que deve explicações, meu jovem, é a Deus. Foi a ele que ofendeu quando traiu seus votos. Espero que essa pequena tenha válido a pena... por uma mulher, Adão perdeu o paraíso... e você pode ter encontrado! Mas vamos ao que interessa, vocês estão bem? E o bebê?

Felipe e Karen se entreolharam, envergonhados e surpresos pelo Capitão saber tanto sobre eles. Karen fez um resumo da situação.

– Eu encontrei materiais no armário, e suturei o braço de Felipe. Minha pressão estava baixa, mas acredito que estou melhor agora, e quando chegarmos no continente, vou saber melhor como está nossa saúde. Não se preocupe, Capitão. Sou enfermeira de formação, e estou a par de tudo... sei que vamos ficar bem.

Felipe não conseguiu segurar a curiosidade.

– Capitão! Como sabia que Karen está grávida? E como sabe que eu é que sou o clérigo, e não ela?

O capitão tornou a rir de forma espalhafatosa e explicou.

– Meus homens são leigos, a maioria nunca entrou numa igreja católica, mas eu já fui um devoto. Eu sei muito bem distinguir um hábito feminino de um masculino. E a menos que essa roupa tenha vindo flutuando no mar, Ela só pode ser sua. Foi uma ideia brilhante colocar a batina na garota. Meus homens são leigos, mas são muito supersticiosos, e ficaram morrendo de medo de tocar nela. Além do mais, essa roupa está enorme nela! E você, tem mesmo cara de padre!

O Capitão riu à soltas pregas, enquanto Felipe fazia o cálculo mental de tudo o que ele explicou. Karen então emendou, curiosa.

– E o bebê? Como sabia dele?

Caleidoscópio Onde histórias criam vida. Descubra agora