Capítulo 56

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MATHEUS

Desde o dia em que eu acertei acidentalmente uma linda garota de madeixas ruivas, não sou mais o mesmo. Ainda me lembro do modo como Melissa reagiu, como fechou seu punho com raiva e fugiu como um coelho assustado, claramente com raiva por eu ter a acertado, mas não me arrependo. Não me arrependo, pois se não fosse por isso não a teria conhecido.

Ainda estou agachado arrumando alguns medicamentos. Eu trabalho em uma farmácia aqui em Floriana, há mais ou menos dois anos. Apenas meio turno, o suficiente para eu pagar metade do aluguel de onde moro com Felipe. Não é como se eu gostasse de passar meu tempo vendendo, embalando e entregando remédios, mas preciso de dinheiro.

Meus pais moram em uma pequena cidade não muito longe daqui. Penso que logo terei que visitá-los, de uma maneira ou outra. Fico assim por longos minutos, organizando medicamentos, de A à Z, na parte de trás do balcao. Como estou agachado, ninguém além de Carla, atendente da Farmácia me vê.

— O que deseja? — Carla pergunta.

— Antipsicóticos — Diz uma voz conhecida.

Melissa certamente não me viu de onde estou agachado, mas eu sempre vou reconhecer essa voz. Não importa quanto tempo passe.

Por que ela quer esse tipo de remédio? Ela tem algum parente com algum transtorno mental? Ela tem alguma doença? Não é possível... Se ela tivesse, porque não me contaria?

Balanço a cabeça para afastar o pensamento. Deve ser outra pessoa.

— Só um segundo. — Diz atendente ao adentrar as portas duplas que fica na parte dos funcionários. Quando vejo que Carla não está mais presente, com um aperto no peito, me levanto de onde estou.

Melissa rápidamente me encara com olhos arregalados. Acho que ela não esperava me encontrar, afinal nunca mencionei sobre meu trabalho. Na verdade, nunca tive a oportunidade de fazê-lo.

— O que você está fazendo aqui? — Ela perguta com olhos arregalados.

— Eu trabalho aqui.

Melissa abre a boca para falar, mas a fecha em um ímpeto. Ela engole em seco e se vira bruscamente para sair do local. Carla volta para o balcão de atendimento. Em um único movimento, pego o remédio de sua mão, o que faz a atendente me encarar com afaeição assustada. Corro em direção a Melissa. Mas ela já saiu do estabelecimento.

MELISSA 

Era mais fácil fugir do que encarar a expressão confusa de Matheus. Não esperava encontra-lo lá, não esperava que ele trabalhasse em uma farmácia.

Ele nunca mencionou. Mas também não é como se eu tivesse perguntado.

Com passos apressados saio do estabelecimento. Meu coração está tropeçando dentro do peito. Não me importei de pegar o remédio, não quando o vi, não quando senti algo dentro de meu peito se quebrar.

Se ele soubesse da minha condição ainda estaria comigo?

Sinto alguém segurar meu punho e nem preciso me virar para saber quem é.

— Para quem são os remédios? — Matheus pergunta com urgência.

Viro a cabeça para encará-lo. Seus olhos safira estão profundos e cheios de dúvidas. Sua boca em uma linha reta. Ele ainda segura meu pulso, com medo de que caso o solte fugirei de novo. Encaro o amplo lugar que está claro, com punhados de raios solares ameaçando me cegar. Paramos em frente à uma pequena ponte no centro da cidade.

— Os remédios são para minha tia.

Matheus me encara com mágoas nos olhos.

— Não minta para mim.

— Eu... — Desvio o olhar, com vergonha — Não queria que você tivesse pena de mim... Foi por isso que não te contei. Eu finalmente estava me sentindo bem aqui. Finalmente encontrei alguém legal, alguém que me entenda... Não queria estragar tudo.

Matheus fica alguns minutos em silêncio, como se estivesse debatendo consigo mesmo. Ele se aproxima mais de onde estou, ficando apenas alguns centímetros de distância, e, gentilmente, segura meu queixo para que eu encare seus olhos.

Encaro novamente aqueles lindos olhos de safiras, suavizados, sua expressão é calma e sua postura, relaxada.

— Eu nunca teria pena de você, Melissa. — Ele murmura me encarando com profundidade — Nunca. — Ele faz uma pausa antes de continuar — Melissa, nada disso muda meus sentimentos por você.

Encaro-o perplexa, minha boca levemente aberta devido a surpresa que suas palavras causaram em mim, havíamos passados todas essas semanas juntos, sim, mas além de beijos e sorrisos, nem um de nós tivemos coragem de falar sobre sentimentos. Pelo menos não até agora.

— Você não deveria ter escondido isso de mim. Eu nunca te julgaria por causa disso. Fico triste por você pensar que eu me importaria negativamente por isso. É como se você não confiasse em mim para dizer essas coisas.

— Não é sobre você. É sobre mim. Eu estava com medo, e, eu não te contei porque não tive coragem, não porque não queria.

Eu não sei qual é a sensação que agora adorna meu peito. Mas e algo que eu nunca experimentei antes... Algo bom. Digno. Puro.

Matheus se aproxima, cortando a distancia entre nós, e cola nossos lábios em um beijo. Dessa vez não mais um leve roçar de bocas, mas um beijo explorador e urgente. Como se para provar, fincar, suas palavras. Uma promessa silênciosa. Seguro sua nuca à medida que nossas línguas se movem em um ritmo perfeito. Como uma dança, selando essa promessa.

Matheus se tornou uma parte de mim. A parte mais bonita de mim. Mesmo sem perceber ele está me ajudando no processo do tratamento da doença. É por causa dele, tanto quantos os remedios, que estou melhorando. Com seus sorrisos, seu olhar, seus beijos... Isso está me salvando. De muitas maneiras possíveis.

Só de pensar que um dia inevitávelmente causarei dor à ele, só esse pensamento, faz com que eu me sinta triste.

Só de pensar que um dia inevitávelmente causarei dor à ele, só esse pensamento, faz com que eu me sinta triste

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