Capítulo 14

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PATRICK

Continuo olhando para a garota à minha frente. Observo seu cabelo sedoso despencando pela cintura, o movimento de seu corpo ao mexer para anotar algo no caderno. Ou o modo como apenas existe. Eu quero escutar sua voz, encarar seus olhos castanho-dourados...

Achei que tivéssemos feito algum progresso ontem, mesmo que do nosso modo. É óbvio então, quando abaixo meu olhar e observo a cicatriz que agora adorna um ponto abaixo do meu pescoço.

Frustrante. Isso é frustrante. Como ser culpado por um crime não cometido. Mas para as pessoas isso não importa. Elas só querem algum culpado, alguém para apontar o dedo e dizer que errou, por mais que seja inocente.

E apenas o pensamento de Aurora estar com medo de mim... faz algo dentro de meu peito se apertar. Suspiro frustrado ao me encolher lentamente na cadeira, conforme minha mente viaja para um acontecimento recente.

FLASHBACK ON

Eu estava ao telefone com Aurora. Apenas por escutar sua voz, quase suspirei de alívio. Depois de alguns instantes, escutei alguns sons de pessoas discutindo entre si. Já na metade do corredor observei as duas figuras não muito distantes de si. Uma era de minha mãe e outra... era meu padrasto.

— Tudo bem? — Aurora perguntou ao telefone.

— Sim. Eu preciso desligar. — Disse rapidamente.

Antes que ela pudesse responder desliguei o telefone, guardando-o no bolso traseiro da calça. Meus passos rápidos me levaram diretamente para a fonte da discussão. Quando cheguei ao centro da sala, meus olhos passaram de minha mãe para o homem com uma garrafa de vodka nas mãos.

— O que você tá fazendo aqui? — Vociferei entredentes para o mais velho à minha frente.

Ele está bêbado. É claro.

Eu e minha mãe, Julia, havíamos ido embora de Nova Odessa, minha cidade natal, para Porto Real. Meu padrasto sempre foi um homem agressivo e habitualmente ficava bêbado. Depois de ameaçar nós dois de morte, não perdemos tempo e fizemos as malas rapidamente, indo para qualquer lugar que julgássemos ser seguro.

Mas pelo visto não estávamos.

Meu padrasto conscientemente batia na minha mãe e às vezes em mim. Eu era criança e nunca podia fazer nada. Só a lembrança faz algo dentro de mim se embrulhar...

Eu nunca conheci meu pai de verdade. Minha mãe nunca falou nada sobre ele, a não ser que ele havia nos abandonado quando soube que estava esperando um filho. Por isso não tenho memórias dele. Não que eu me importe... Ele e meu padrasto poderiam ir para o inferno.

— Saia daqui agora. — Rosnei para o homem à medida que controlava a raiva que crescia em meu peito.

Como ele havia nos encontrado?

— Vai fazer o quê se eu não sair? — O homem perguntou, com uma voz áspera ao bebericar a bebida alcoólica.

Encarei-o profundamente. Eu queria tanto que ele pagasse por tudo o que causou à mim e a minha família... Quando eu lembro da memória da minha mãe chorando escondida depois de ser agredida por ele meu coração se retorce dentro de mim.

Eu poderia matá-lo.

Acho que vou fazer isso agora.

— Foi o que pensei. — Ele continuou falando ao perceber que eu não disse nada. — E você! — Apontou para minha mãe, quase caindo no processo pelo grande consumo de álcool — Eu ainda vou te matar, mulher! Não tem como fugir para sempre. Nem você e nem esse seu filhinho de merda!

Minha mãe parecia estar em choque com o espanto da inesperada presença do homem, pois não dizia nada. E isso fez com que ele aumentasse sua raiva.

— O que foi? O gato comeu sua língua?!

Meu padrasto se aproximou mais de onde estávamos e...

Foi tudo muito rápido.

Só me lembro de ter entrado na frente da minha mãe enquanto o homem acertava minha clavícula com a garrafa de vidro. Minha mãe gritou de surpresa ao notar o que havia acontecido. Ela apenas teve tempo de segurar meu corpo antes que eu caísse no chão.

— Patrick! — Minha mãe gritou desesperada ao me segurar — Filho, por que você fez isso?! — Seus olhos brilhantes estavam arregalados.

Olhei para onde meu padrasto estava, mas o lugar se encontrava vazio. Ele fugiu depois de alguns vizinhos chegarem preocupados para saber quais eram os motivos da gritaria.

Minha mãe rapidamente estancou o corte na pele, rezando aos céus para que nada demais acontecesse comigo. Mesmo que o corte não fosse significamente grande, estava vazando muito sangue. Precisaria cuidar disso antes que pudesse acontecer algo pior, como uma infecção.

— Eu tô bem. — Murmurei meio rouco ao fazer menção de levantar.

Minha mãe me impediu. A voz dela estava firme, mas seu olhar parecia triste. Apenas concordei com a cabeça, deixando-a tratar meu ferimento. Encarei mais uma vez a ferida. Isso deixaria uma cicatriz...

FLASHBACK OFF

Por um momento, esqueço que estou na escola. Pisco os olho voltando à realidade. As pessoas ainda fofocam sobre mim, possíveis teorias de como consegui aquela cicatriz. No entanto, eu não me importo com o que as pessoas pensam de mim. Podem falar o que quiserem, contanto que me deixem em paz. Mas Aurora... Eu não suporto vê-la me evitando. Com medo de mim.

Sei que mal nos conhecemos, e que ela não deve nada a mim, assim como ela disse quando fui fazer o trabalho na casa dela. Mas... Eu não tenho amigos. Ela é a única pessoa com quem converso... com quem gosto de conversar.

Apenas fico em silêncio, tentando controlar a respiração e o coração batendo forte no peito, meu rosto se tornando uma máscara sólida à medida que encaro um ponto distante da sala. Eu irei resolver isso. De uma forma ou de outra.

 De uma forma ou de outra

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