Capítulo 6

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AURORA

As últimas três aulas ainda ecoam por minha mente. Para ser sincera, não prestei atenção na metade do conteúdo, muito menos no que os professores falavam. Porém isso nunca foi um problema para mim, pelo contrário, sempre fui a "queridinha" dos professores. É como se as coisas que eu antes gostava ou tinha facilidade agora não são mais tão interessantes.

É incrível como as coisas mudam de uma hora para outra.

Como a última aula do dia já acabou, Laura me acompanha em todo o caminho de volta. Ela diz querer visitar minha casa, mas não sei se é legal levá-la sem avisar minha mãe ou meu irmão. Então, prometo que outro levarei ela.

Tiro minhas mochilas das costas e me esparramo no sofá. Levo as mãos à barriga, que já está roncando de fome. Não comi nada além do cereal do café da manhã. E agora só consigo pensar em comer.

— Mãe! — Grito alto o suficiente — já cheguei em casa.

Observo todo o lugar à procura dela. Encaro o relógio. Cheguei no horário em que prometi, mas o local está totalmente silencioso. No entanto, a casa está uma bagunça. Alice ignora as tarefas que costumam ser dela, e, desde que comecei a trabalhar, muitas coisas ficam por fazer. A pia está cheia de louça, talheres e pratos espalhados com restos de comida. Arregaço as mangas e vou em direção a cozinha lavar a louça.

Quando concluo a tarefa, abro a geladeira com a missão de encontrar algo para comer, mas só encontro algumas latas vazias e resto de arroz que fiz semana passada. Não é algo que agrade meu apetite, então, por fim, fecho a porta da geladeira, com um bufo frustrado.

— Mãe!? — Grito de novo, agora mais impaciente — Onde você está?

Ainda tenho medo das recaídas de Alice. Ela ficou muito mal depois da morte do meu pai. Então meio que os papéis se inverteram. Eu a supervisiono constantemente, mesmo que eu tenha dito a mim mesma que daria o tempo de que ela precisa. Não consigo vê-la definhar e não fazer nada. Eu queria poder tirá-la desse poço no qual ela está se afundando, mas não posso fazer isso sozinha.

Observo um papel em cima da mesa do centro da sala. Pego ele nas mãos, e um palavrão escapa quase instantaneamente ao encarar a conta de luz que está prestes a ser cortada. Minha mãe está desempregada há três meses. Eu trabalho meio período no restaurante Briar como garçonete, mas não é como se eu recebesse muito. Meu pai era médico, e era ele quem arcava com a maioria das despesas de casa.

Deixo o papel onde estava e decido ir ao quarto da minha mãe. Ela ainda está deitada e por algum motivo não fico surpresa. Dessa vez, tomo cuidado para não tropeçar nos calçados e roupas que estão espalhados por todo o lugar.

— Você ainda está aqui? — Pergunto quando me sento ao seu lado. Fico hesitante sobre puxar assunto, mas não me contenho.

Alice confirma com a cabeça, parecendo mais velha do que realmente é.

— Hoje eu fiz uma nova amiga na escola. — Acaricio o topo de sua cabeça.

Minha mãe levanta os olhos para me encarar, e eu posso jurar que um leve brilho passou por aquele olhar. Ela sabe o quanto isso é importante para mim.

— Isso é bom — Ela diz com a voz contida, como se estivesse se segurando para não chorar  — Qual o nome dela?

— Laura. — Refiro-me a minha nova amiga com um pequeno sorriso nos lábios.

Minha mãe balança a cabeça em um gesto de concordância. Pelo menos está sorrindo, isso é um progresso.

— Estou com fome. — Admito, ao sentir minha barriga roncar. E também porque quero comer a caseira da minha mãe, não aquele arroz queimado que eu fiz alguns dias atrás em uma tentativa de um almoço agradável.

Se existe uma coisa que minha mãe gosta de fazer e faz bem é cozinhar, mas até isso não tem feito com frequência. Lembro-me que passávamos horas na cozinha fazendo bolo, saíamos todas sujas de farinha, mas era bom.

Caio também não fica fora dessa, é por isso que ele cozinha tão bem quanto minha mãe.

Não damos valor a um momento até que ele se perca. Eu gostaria de poder voltar no tempo... Assim, eu poderia reviver cada um deles novamente.

Minha mãe se vira e me encara com clareza, como se também recordasse desses momentos. Por fim, minha mãe concorda e se levanta. Consigo enxergá-la melhor. Não está em um dos seus melhores dias, mas, ao menos, está disposta a tentar.

Minha mãe está abrindo e fechando as portas dos armários à procura dos ingredientes

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Minha mãe está abrindo e fechando as portas dos armários à procura dos ingredientes.

— No que posso ajudá-la? — Pergunto ao me encostar na bancada.

Como ela está ocupada demais para me responder, sem perder tempo mexo na farinha de trigo. Depois de um bom tempo, a massa está pronta e minha mãe prepara o molho. Eu sei o quanto isso é importante para ela. Para nós duas, na verdade. Pode até parecer algo simples, mas é uma evolução.

Progresso é progresso não importa o tamanho.

Escuto um ruído de porta sendo aberta e levanto a cabeça para encarar o que causou o barulho, já sabendo quem pode ser de certa forma.

— Hm... — Meu irmão murmura, ao aparecer na porta da cozinha — Que cheiro delicioso é esse? Macarronada?

Dou uma confirmação para ele.

— Você está cheia de farinha. — Caio observa conforme aponta em direção ao meu corpo, com um sorriso em seus lábios.

— Você também. — É tudo o que falo antes de jogar um punhado de farinha nele.

— Você não fez isso! — Meu irmão esbraveja ao expulsar a farinha de si.

Dou um sorriso sincero ainda encarando-o.

— É, eu acho que fiz.

— Eu lavei meu cabelo hoje, Aurora!

— "Eu lavei meu cabelo hoje, Aurora." — Imito-o de modo debochado, quase irritante.

Alice nos encara com um olhar repreendedor, provavelmente ddecidindo se baterá em mim ali mesmo.

— Parem de brigar vocês dois! Parecem até duas crianças.

Lanço um olhar inocente para ela, antes de o meu irmão fazer menção de correr atrás de mim. Não perco tempo e corro escada acima para que ele não me alcance. Um pequeno suspiro de alívio se irrompe quando confiro se a fechadura do meu quarto está realmente trancada.

Essa foi por pouco.

Essa foi por pouco

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