seis

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Entramos em casa e fomos direto pra cozinha preparar um tereré. O tempo estava fechando, mas o calor em Campo Grande era infernal e mesmo assim nós dois estávamos de calça, moletom e tênis.

— Cadê sua mãe e seu padastro? - Pergunta se sentando sob o balcão.
— Trabalhando, eles são advogados e hoje vão ficar até mais tarde, parece que pegaram um caso complicado - Coloco a erva no copo - Quando isso acontece, ela fala que volta às dez, mas chega em casa depois de uma da manhã.
— Nossa, que foda. Meu pai é dentista - Diz simples - Chato, né?
— Não acho não - Olho pra ela - Só deve ser um pouco nojento, sei lá.
— Isso com certeza - Fala rindo.
— Você quer subir ou assistir aqui na sala?
— Você que sabe - Da de ombros enquanto desce - O primeiro copo é meu.
— Ah não, eu preparei, eu tomo primeiro. É a regra.
— Mas eu sou visita, nada mais justo, não? - Pega a garrafa de água de cima da mesa.
— Cada um toma um pouco do primeiro então - Digo por fim.
— Tá, pode ser - Ri.

Segui pra escada e sabia que ela vinha logo atrás, então subimos pro meu quarto. Assim que entrei, dei passagem pra ela, então fechei a porta. Ela colocou a garrafa no chão e sentou ali mesmo e eu ri.

— Senta na cama ou na cadeira.
— Tá calor - Fala - O chão tá geladinho, é bom.
— Vou ligar o ar, só...
— Não, deixa a janela aberta - Pede delicadamente - Por favor, eu amo quando o céu tá assim, já tá quase anoitecendo.
— É dahora - Concordo - O que você quer assistir?
— Eu votei na opção de ficar olhando pra você sem fazer nada, lembra? - Diz e nós rimos.
— Tá, pode ser - Vou até o computador - Mas vou por uma música pra gente ouvir, pode ser?
— Pode, qual música?
— É um lo-fi, chama sad lo-fi for lost souls - Digo digitando o nome - Sempre começo ouvindo ele e deixo tocar no aleatório.
— Que bad! - Diz - Gostei.
Tenho uma pergunta pra você, sabichona - Solto a música e me viro de frente pra ela.
— Manda ver - Fala servindo o copo de tereré.
— Se aqui é o inferno, quem é o Diabo? - Sento no chão com ela, ficando frente a frente.
Nós mesmos - Diz antes de beber o tereré.
— Como assim, nós mesmos?
— É simples - Me entrega o copo - Você controla sua vida, suas ações, seus erros e acertos só dependem de você mesmo.
— Mas todo mundo quer ir pro céu, então todo mundo tem boas intenções.
— Todo mundo pode querer ir pro céu, mas ter boas intenções? Não, nem todo mundo - Fala - Além do mais, não adianta você desejar com todo coração querer ir pro céu e quando vê um morador de rua, mudar de calçada.
— É, faz sentido - Encaro a janela e vejo as árvores balançando por conta do vento que se intensificava.
— Claro que faz - Ri - Gostei dessa música, parece que ela abraça a gente.
— Sad lo-fi, com certeza ela abraça as pessoas tristes - Falo rindo.
— Por incrível que pareça, não tô triste - Sorri fraco.
— Eu também não.
— Eu...

Ela foi interrompida por um trovão alto seguido da chuva que caiu forte de uma única vez. A telha caía pouco mais pra frente da janela, então não molhava meu quarto e por isso a janela permaneceu aberta. Violetta encarava a chuva lá fora e sorria, enquanto eu tentava descobrir o porque, mas talvez, ela só gostasse da chuva, assim como eu.

— Não é incrível como a chuva consegue acalmar tudo? - Fala baixinho.
— É, eu viveria de boa em um lugar onde só chovesse, tipo Ame...
— Amegakure - Completa.
— Você gosta?
— Sim - Me olha e sorri - Pelo jeito você também.
— Pra caramba - Sirvo outro copo de tereré.
— Sério, eu sei que a chuva destrói a casa de muita gente, tem a galera que mora na rua e pá, mas mano, eu me sinto de alma limpa quando tomo banho na chuva, parece que saio outra pessoa e...
— Então vamos.
— Onde? - Me encara.
— Tomar banho de chuva - Levanto.
— Tá falando sério?
— Tá com medo de ficar doente? - Estendo a mão pra ela.
— Mas eu não tenho roupa - Segura na minha mão e eu a puxo, trazendo ela pra cima e bem perto de mim.
— Eu... Eu te... Eu te empresto - Falo baixo enquanto encaro a boca dela.
— É, pode... pode ser - Fala no mesmo tom que eu.

Olhei nos olhos dela e então ela fez o mesmo, já que antes estava olhando pra minha boca também. Eu queria muito beija-lá, mas tinha medo de que ela ficasse chateada ou não quisesse, algo assim. Continuamos ali, só nos olhando até que ela balançar cabeça rapidamente em sinal de negação e se afasta, tirando o moletom.

— Vamos ou não? — Se abaixa desamarrando os tênis.
— Vamo, lógico.

Tirei o moletom e os tênis também, então descemos as escadas rapidamente em direção aos fundos da minha casa e logo tivemos contato com a chuva. Observei quando ela parou e seu queixo tremeu de frio, mas logo seus olhos fecharam e ela parecia estar absorvendo a chuva conforme caía. O céu estava ficando cada vez mais escuro com leve tom de vermelho por causa da hora e da chuva e apesar de estar um pouco preocupado com que talvez ela ficasse doente, eu me sentia bem por vê-la tão... Em paz.

— Você não tá sentindo a chuva - Fala abrindo os olhos.
— Tô sim, inclusive, tá bem gelada - Digo e nós rimos.
— Não - Se aproxima e pega nas minhas mãos - Fecha os olhos.
— Pra que?
— Fecha, vai! - Fala autoritária e eu, então fecho - Agora inspira ao máximo que der e expira em seguida bem devagar.

Fiz o que ela pediu e nas primeiras vezes eu não senti nada diferente, mas logo meu corpo começou a relaxar. Eu conseguia focar somente no barulho da chuva ao nosso redor e agora, a água já não estava tão gelada assim. As mãos dela continuaram segurando as minhas e quando abri os olhos por alguns instantes, ela estava com os dela fechado, fazendo o mesmo que eu, então nós ficamos ali, sentindo a chuva e mais que isso, sentindo a companhia um do outro.

[ ... ]

𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤 𝙩𝙚𝙢𝙥𝙤 𝙖𝙘𝙖𝙗𝙖𝙧 ⏳ • konaiOnde histórias criam vida. Descubra agora