quarenta

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Abri os olhos com certa dificuldade. A luz estava apagada, mas ainda sim era quase impossível manter os olhos abertos.
Fiz menção de levantar, mas meu corpo não reagiu e então senti uma agonia terrível. Afinal, eu estava morto? Pela dor que estava sentindo, provavelmente não e foi inevitável não chorar.

— Filho? - Ouço a voz da minha mãe se aproximar - Oh, graças a Deus.
— Ô, super graças a ele - Digo com a voz falha.
— Shii, não fala, eu vou chamar o médico, calma - Diz e na verdade ela parecia estar nervosa - Tá sentindo dor?
— Pra caralho - Fecho os olhos.
— Run - Resmunga rindo - Eu vou chamar o médico, espera.

Ela saiu  do quarto e tentei me ajeitar de uma forma mais confortável. Olhei ao redor e existiam incontáveis vasos com flores, ursos e balões. Que ótimo, ia ter que lidar pela quarta vez com tudo isso. Porque eu não podia simplesmente morrer? Se Deus existisse, tenho certeza que ele me odiava muito.
Logo um médico veio e depois de me examinar e fazer algumas perguntas, saiu dizendo que logo uma enfermeira viria me dar um remédio pra dor. Sério? Eles queriam mesmo me dar um remédio? Que tal uns cem? Talvez a dor passasse mais rápido.

— No que você tá pensando? - Minha mãe pergunta receosa.
— No quão imprestável eu sou - Digo sem qualquer emoção.
— Não meu filho, não fala isso - Suspira - Eu ...
— Eu só quero ir pra casa, quando a gente pode ir?
— Na verdade, tem uma coisa, mas não vamos falar disso agora. Você precisa se recuperar agora.
— O que aconteceu?
— Depois falamos disso - Passa a mão no meu rosto - Meu Deus, achei que tinha te perdido de vez.
— Quanto tempo? - Encaro o nada.
— Duas semanas - Suspira.
— Pelo menos bati meu antigo Record - Rio amargamente.
— Não fala isso João Vitor, pelo amor de Deus, eu ...
— Deus, Deus, Deus ... Vocês não cansam de se iludir? De ficar colocando a culpa de algo bom ou ruim em alguém que não existe? Porque não lidar com algo real e material?
Sentimentos não são reais e nem materiais, mas você sente mesmo assim.

Aquela voz. Olhei em direção a porta e lá estava ela. Violetta usava o meu moletom e estava agarrada com algo que logo identifiquei como sendo meu travesseiro e eu ri mentalmente por aquilo.
Ela olhou pra minha mãe receosa e recebeu um gesto indicando que ela poderia entrar. Devagar, ela se aproximou e deixou o travesseiro numa poltrona e então veio até mim.
Nossos olhares finalmente se encontraram e eu senti meu corpo arrepiar. E assim que a primeira lágrima caiu do olho dela, logo várias outras rolaram também e ela me abraçou.
Eu não conseguia retribuir, meu corpo ainda estava fraco demais, mas afundei meu rosto na curva do pescoço dela para sentir seu cheiro e então senti meu coração bater mais rápido.

— Porque você fez isso comigo? - Pergunta baixinho.
— Me desculpa - Peço no mesmo tom e sinto ela se afastar, me olhando em seguida.
— Você fez uma promessa - Diz enquanto às lágrimas continuam a cair.
— Eu fiz, mas ... Porque você tá aqui? Você deveria estar ...
— Aqui! Eu não tinha que estar em lugar nenhum, se não fosse aqui - Passa a barra do moletom para secar às lágrimas - Idiota.
— Como você tá? - Me ajeito por causa da dor.
— Como você acha que eu tô? - Indica o rosto que expressava muito cansaço.
— É, tá bem ruim - Digo e ela gargalha enquanto minha mãe solta uma risada discreta.
— Você é um idiota, de verdade.
— Eu sei, mas será que tem como não brigar comigo agora? Eu tô com muita dor.

Fecho os olhos esperando que ela revidasse, mas ao invés disso senti sua mão tocar meu rosto e acariciar levemente. Abri os olhos novamente e ela estava com um pequeno sorriso nos lábios e me olhava meigamente.
Minha mãe nos observava e para minha surpresa caminhou para fora do quarto e nos deixou ali sozinhos.

— Senta aqui - Me arrasto com dificuldade para dar espaço e ela senta na cama.
— Porque, João?
— Eu não tava lidando bem com ... Tudo. Eu não conseguia falar com você e ...
— E achou que morrendo ia conseguir? Eu tenho cara de médium? - Diz e nós rimos.
— De verdade, me desculpa - Pego na mão dela - Cê tá tremendo, o que foi?
— Fome, sono, sei lá. Não tenho pensado muito em nada ultimamente.
— Você não tá nada bem - A encaro - Emagreceu, tá parecendo ... Sei lá, doente.
— Não querendo te culpar, mas ... - Não concluí a frase e nós rimos de novo - Eu senti tanto a sua falta.
— Eu devo ter sentido a sua também - Rimos mais uma vez.
— Você é tão idiota, meu Deus - Aperta minha mão - Nem acredito que tô te sentindo de novo, que você tá bem e ... Ai João, eu fiquei com tanto medo - Volta a chorar e deita a cabeça no meu peito.
— Eu imagino - Sinto meu peito apertar - Por favor, me desculpa mesmo. Eu não queria que você ficasse mal, ainda mais por minha causa, eu nunca quis isso, você sabe, não sabe?
— Óbvio que sei - Ri em meio ao choro - Eu só queria entender o porquê. Foi algo comigo?
— Não mano, nunca. Mas tava acontecendo muita coisa e eu não conseguia falar com você, foi juntando tudo e chegou num ponto que eu não aguentei - Respiro fundo - Eu prometo que te conto tudo depois, mas agora eu preciso mesmo descansar.
— É, cê tá certo - Levanta o corpo e saca às lágrimas - Eu vou ficar lá fora e ...
— Não, fica aí, por favor. Eu vou ficar melhor logo se você ficar comigo.
— Tem certeza?
— Absoluta - Me ajeito novamente e a puxo com certa dificuldade para deitar comigo.

O cabelo dela que estava preso num coque, se soltou e então caiu sob a minha mão que estava abraçando ela e num gesto involuntário, comecei a enrolar uma única mecha no dedo e então tive uma sensação indescritível, mas muito boa.

— Eu te amo - Digo num sussurro.
— Eu também te amo, muito e pra sempre.

[ ... ]

𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤 𝙩𝙚𝙢𝙥𝙤 𝙖𝙘𝙖𝙗𝙖𝙧 ⏳ • konaiOnde histórias criam vida. Descubra agora