cinquenta e quatro

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— Oi meu pancadinha - Diz ao atender a ligação.
— Tava chorando porque, Dory maluquinha?
— Como cê sabe? - Ri.
— Talvez porque eu te conheço? - Pergunto como se fosse óbvio.
— É que meu pai já teve que ir e eu tô aqui sozinha.
— Agora eu tô falando com você, então cê não tá mais sozinha - Deito na cama.
— Não é a mesma coisa - Ri - Mas é melhor que nada.
— Você tá bem? Já comeu?
— Acabei de pedir serviço de quarto - Diz parecendo uma criança e eu ri.
— Vai falir seu pai.
— Ninguém mandou me trazer - Rimos - O que você tá fazendo?
— Deitado, encarando o teto. E você?
— A mesma coisa - Rimos - Não seria mais fácil se a gente pudesse entender os animais?
— Seria - Digo rindo da aleatoriedade dela.
— Acho que quero fazer mais uma tatuagem.
— É? E quer fazer o que?
— Ainda não sei, mas tem que ser pequena e bem escondida, se não meu pai vai me matar - Rimos.
— Você devia escolher um dos seus desenhos e fazer, eles são lindos.
— E malucos.
— Você também é, então é isso - Rimos - Eu ...

Fui interrompido por batidas na porta e após dizer pra entrar, minha mãe apareceu ali.

— Tá ocupado?
— Depende pra que - Digo e ouço a Violetta rir no telefone.
— Tem uma menina aqui, chamada Lara, quer falar com você.
— A Lara? - Pergunto surpreso.
— Sim.
— Tá, fala que eu já tô indo.
— Tá bom.

Esperei ela sair do quarto e tentei criar coragem pra falar isso pra Violetta. Eu sabia que ela não tinha gostado da Lara, ainda mais depois do que eu tinha contado.

— Minha linda ...
— Tá bom, a gente se fala depois.
— Eu prometo que ligo assim que ela for embora, não vou demorar.
— Não se preocupa.
— Tá tudo bem?
— Sim.
— Tem certeza?
— Sim.
— Você tá mentindo, eu sei.
— Vai lá, João, depois a gente se fala.
— Eu não vou demorar, cinco minutos no máximo, por favor, eu vou te ligar de chamada de vídeo pra gente assistir um filme junto, pode ser?
— Eu posso escolher o filme?
— Pode - Sorrio.
— Tá bom. Por favor, não demora e não me troca por ela.
— Eu nunca faria isso, sou maluco mas nem tanto - Rimos - Te amo, te amo, te amo.
— Também te amo.
— Só isso? Só te amo? - Digo e ela ri.
— Te amo, muito e pra sempre.
— Bem melhor, eu já te ligo.
— Tá bom, tchau.
— Tchau.

Desliguei a chamada e então desci rapidamente as escadas. Achei que elas estariam do lado de fora, mas assim que cheguei na sala, as vi sentadas no sofá.

— Ãn, oi, Lara - Digo.
— Oi João - Sorri enquanto se levanta - A gente pode conversar?
— Tá, pode ser. Vamo lá fora - Digo simples.

Lara seguiu até a porta e quando passei pela minha mãe, ela me olhou com um olhar de alerta, mas não entendi o porquê.
Seguimos até o portão e quando fechei, ela começou a andar. Fiquei com vergonha de perguntar qualquer coisa, então só a segui.

— Sabe, João - Suspira - Eu voltei achando que teria meus amigos de volta, como antes. Achei que ia voltar pro meu velho grupo de amigas, mas você percebeu que elas nem falaram comigo durante essas semanas?
— Não falaram? - Pergunto sincero, eu não tinha reparado nada.
— Não. E aí eu parei pra pensar que elas nunca foram minhas amigas de verdade. Era tudo interesse. A única pessoa que sempre foi boa comigo, sempre me tratou bem de verdade e se preocupava comigo, era você.
— Eu ...
— É verdade, e aí eu fiz aquela maldade com você. Cê não faz idéia do quanto eu me arrependo daquilo, de verdade. Eu só queria ser assunto por causa de alguma coisa e não vi que isso te faria tão mal, então eu queria que você me desculpasse, se puder.
— Lara, é muito complicado.
— Eu sei, sei o que tudo isso gerou pra sua vida e se não quiser me desculpar agora, tudo bem, mas quero que você saiba que eu tô realmente arrependida e pronta pra gente recomeçar. Você é bom João, bom de verdade, não tem maldade com ninguém, é sempre gentil com todo mundo. Eu tenho inveja da sua namorada.
— Namorada? Eu não ...
— Então você não namora com aquela menina da sorveteria? Como é mesmo o nome dela? Margarida? Rosa? Eu lembro que é nome de flor - Diz rindo.
— Violetta.
— Isso, Violetta! Ela não é sua namorada?
— Não ... Quer dizer ...
— Então, se a gente quisesse tentar - Para de andar - Fazer dar certo dessa vez, você estaria livre pra isso?
— Não, não estaria - A encaro - Olha Lara, eu não vou te tratar mal ou coisa do tipo, eu não sou assim. Mas eu também não esqueci tudo o que eu tive que aguentar por causa de uma maldade sua.
— João, por favor, me desculpa - Começa a chorar - É que tá tudo tão difícil. Na escola, em casa. Eu não sei mais o que fazer, quero morrer.

Essas duas últimas palavras tiveram impacto sobre mim. Eu sabia exatamente o peso delas e sabia que apesar de qualquer coisa, não poderia deixar que ela quisesse morrer.
Isso foi uma coisa que aprendi com a vida. Não importa quem seja, se alguém pedir ajuda, direta ou indiretamente, ajude. A gente não sabe o que se passa na vida das pessoas, não sabe o que elas sentem realmente, mas a morte não era a solução pra isso. E agora eu sabia disso. Eu tinha motivos suficientes pra viver, então talvez eu conseguisse ajudá-la a encontrar motivos pra ela também.
A abracei com cuidado para não dar a entender que eu quisesse qualquer coisa a mais com ela, só queria passar a sensação de que eu estava ali, como amigo.
Depois de um tempo, ela parou de chorar e eu caminhei com ela até a sua casa, que ficava cerca de dez ou quinze quadras distante da minha. Mais alguns minutos conversando no portão e assim que ela entrou, eu corri disparado em direção a minha casa.
Entrei correndo e só ouvi um resmungo da minha mãe, mas não entendi o que era. Peguei o celular na cama na intenção de ligar pra ela e ao ver as horas percebi que tinham se passado mais de cinquenta minutos desde quando nos falamos antes.

everthing 🦋🖤

cinco minutos 🤪
João?
não querendo parecer louca
mas já faz meia hora, tá tudo bem?
você sabe que eu não gosto quando você
demora pra me responder, eu fico com medo
de acontecer como da última vez
tô preocupada João

ei
tô aqui, calma
me desculpa
acabou demorando
mais do que eu pensei
Dory maluquinha?

ah
ok

já escolheu o filme?

sim, na verdade
tô na metade dele já

porra, desculpa
mas ela tava precisando conversar
não podia deixar ela e sair andando

tudo bem, eu entendo

então porque cê tá brava?

não tô brava

mas parece que tá

mas não tô

o que foi então?

eu não quero falar
não quero parecer mais
maluca do que eu já sou

fala, você sabe que
eu nunca julgaria você
por nada

João, eu tô me sentindo insegura
sempre me senti, não acho que eu
seja o suficiente pra você e tenho
medo de te perder pra qualquer
garota mais bonita e normal que eu
não é de hoje, eu só não te falei
porque não consigo conversar sobre
essas coisas cara a cara, sei lá

vou te ligar, me atende


Selecionei a opção de chamada de vídeo e após alguns segundos, ela atendeu mas estava tudo escuro.

— Tira o dedo da câmera.
— Não - Fala com a voz anasalada, indicando que ela tinha chorado.
— Vai, eu quero ver minha Dory maluquinha - Digo e ouço ela rir.
— Não é pra me fazer rir - Diz tirando o dedo da câmera e vejo que ela chorou muito.
— Se eu não te fizer rir, eu não tenho mais utilidade pra nada - Digo - E por favor, para de pensar essas coisas. Eu nunca trocaria você por ninguém mais bonita ou normal, você é perfeita e eu gosto de maluca - Ela sorri - Quando você se sentir assim de novo, conversa comigo, eu não vou julgar você. Às vezes eu também me sinto assim.
— Inseguro? Comigo? - Ri.
— Sim, você é tão linda e eu ... Sou eu - Rimos - Às vezes também acho que você pode achar um cara mais bonito e legal que eu.
— Nunca. Você é perfeito pra mim. Não existe ninguém melhor que você. Eu te amo.
— Eu sei disso, por isso logo esqueço essas coisas. Eu sei que você me ama e quanto a gente faz bem um pro outro, aí passa.
— Vou tentar pensar assim - Sorri - Desculpa.
— Não precisa pedir desculpa, eu deveria ter levado o celular e te avisado.
— Devia mesmo - Rimos - Mas tudo bem, já passou.
— Então volta o filme porque ninguém mandou você começar sem mim - Deito na cama e apóio celular em outro travesseiro.
— Não quero mais ver filme - Também apóia o celular em algo.
— E quer fazer o que?
— Só ficar olhando pra você - Sorri.
— Tá bom - Sorrio.

E nós fizemos isso. Ficamos longos minutos nos olhando sem falar absolutamente nada e um tempo depois ela dormiu. Não desliguei a chamada, apenas mutei e levei o celular comigo enquanto jogava, pra caso ela acordasse, visse que eu ainda estava ali com ela.

[ ... ]

𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤 𝙩𝙚𝙢𝙥𝙤 𝙖𝙘𝙖𝙗𝙖𝙧 ⏳ • konaiOnde histórias criam vida. Descubra agora