quatro

673 81 90
                                    

Violetta 🦋

oi João

eai
são 00:45
porque ainda tá acordada?

sem sono
e você?

também
sumiu o resto do dia
tá tudo bem?

tá, só não curto muito
ficar no celular

entendi
tá fazendo o que?

indo dar uma volta
e você?

tô deitado, ouvindo música
tá falando sério que cê
tá indo dar uma volta?

tô, te falei que
quando tô sem sono
eu gosto de andar

tá indo na ponte
perto da praça?

aham

quer companhia?

você viria?

sim
vou só por um moletom

e sua mãe?
não vai brigar?

ela não vai saber kk
já eu te encontro

tá bom 💜

Levantei rapidamente da cama e troquei de roupa, então sai devagar pra não acordar ninguém. Desci as escadas e segui até a área e quando estava saíndo pelo portão, lembrei que a bicicleta dela estava ali, então subi na mesma e segui em direção a ponte.

•••

Cheguei lá e a vi sentada com as pernas passadas pela grade e a testa apoiada ali. Encostei a bicicleta um pouco antes e então me aproximei com cuidado já que achei que ela tinha notado minha presença.

— Cê veio mesmo - Diz sem me olhar.
— Eu disse que viria - Sento do mesmo jeito que ela, deixando os pés pêndulos pra fora da ponte - Mas uma volta no quarteirão não seria melhor? - Digo e nós rimos.
— Já te falei, gosto daqui, é tranquilo.
— Mas é perigoso sair sozinha, cê sabe, né?
— O máximo que pode acontecer, é eu ser morta - Fala simples.
— Não, alguém pode te ...
— É, também - Diz sem ânimo e percebo que ela entendeu o que eu quis dizer.
— Você não tá com frio? Eu tô congelando.
— Tô de boa - Joga o corpo pra trás, deitando ali mesmo - Você acredita no céu? Ou talvez vida após a morte?
— Acredito. Quero dizer, mais ou menos.
— E no inferno?
— Não.
— Eu acho que aqui já é o inferno - Fala encarando o céu - Se nós nos dermos bem aqui, a gente vai pro céu, mas se não rolar, a gente reencarna e sofre tudo de novo, até aprender ser uma boa pessoa.
— Não tinha parado pra pensar assim - Deito da mesma forma que ela.
— Já me conformei que eu não vou subir dessa vez - Fala - Eu não sou uma boa pessoa.
— O que você já fez de tão ruim que não possa ser perdoado por Deus?
— Muita coisa, mas acho que o principal, é o meu egoísmo. Eu sou muito egoísta, João, muito mesmo.
— Egoísta a que ponto? - Observo as estrelas.
— Ao ponto de ver as pessoas que eu amo, sofrendo por minha causa e não fazer nada, eu poderia acabar com isso, mas não consigo.
— E que tipo sofrimento você poderia causar na vida de alguém? Cê é legal.
— Você só me conhece faz um dia.
— E já foi o suficiente pra saber que cê é legal.
— Eu não sou, vai por mim.
— Tá, mas que tipo de sofrimento cê tá falando? E na vida de quem?
— Meu pai, meus avós. Eles fazem de tudo pra eu ficar bem, sempre tentam me deixar bem e não ficar pensando na minha mãe, mas eu não consigo nem fingir que tô bem, sabe? Parece que eu sou uma ingrata de merda e não consegue dar um sorriso se quer pra agradecer à eles
— Você não é egoísta, só não consegue ser falsa e você não é obrigada a fingir sentimento algum.
— Mas eu queria fingir - Sinto ela me olhar - Eu queria que eles se sentissem bem, eles tão fazendo um bom trabalho, o problema sou eu.
— Nada a ver mano - Olho pra ela - Certeza que eles preferem que você seja sincera e fale o que está sentindo.
— Mas eles não são obrigados a sofrer só porque eu tô sofrendo também, entende?
— Sim mano, mas eles são sua família, eles só querem o melhor pra você, eles vão ficar bem quando você estiver bem e vai ser tudo no seu tempo.
— Você é legal, João - Sorri.
— Você também, Vi... - Falo brincando e vejo ela franzir a testa - Maria.
— Eu sou, né? - Se senta novamente.
— Porque você não gosta do seu nome? - Me sento também.
— Eu não tenho nome, já te disse.
— Então porque se incomoda tanto quando te chamam de Violetta?
— Você é muito curioso - Diz tirando as pernas da grade e fica de frente pra mim - Já desabafei, agora é a sua vez.
— Eu? Não tenho nada pra falar - Sento da mesma forma que ela.
— Então você vai na psiquiatra atoa?
— Não, já te falei, meus pais acham que eu tenho comportamento suicida.
— Eu também acho, você é tão... Mórbido.
— Nossa, valeu - Rimos.
— É sério - Me olha nos olhos - Quantas vezes você já tentou?
— Três.
— Eu tentei seis - Fala - Mas o meu número da sorte é o sete, então ...
— Não faz isso, você precisa viver, isso não é a solução.
— O sujo falando do mal lavado - Diz e nós rimos - Porque a gente não faz um acordo?
— Que acordo?
— Eu não tento, se você não tentar.
— Não, eu não...
— Qual é, João. Do mesmo jeito que eu tenho motivos pra viver, você tem, né? Você tem família, amigos, eu... Tem motivos melhores que esses? - Fala e eu sorrio.
— E quem me garante que você não vai quebrar o acordo?
— Eu prometo - Estende o mindinho.
— Cê tá falando sério?
— Sim - Me encara.
— E se eu não conseguir?
— Quando você sentir vontade, me manda uma mensagem, a gente sai pra conversar... A gente se ajuda.
— Porque?
— Porque você é legal, o mundo precisa te conhecer.
— Você também - Cruzo meu mindinho com o dela - Prometo também.
— Sabe que isso acabou de te prender pra sempre na minha vida, né? - Ri.
— Te digo o mesmo, eu não sou tão legal assim.
— Você é, eu sei que é.
— A gente só se conhece a um dia, lembra? - Rimos.
A gente tem a vida inteira, a partir de agora, pra se conhecer melhor - Fala - Eu tô disposta, e você?
— Também.
— Me fala seu maior defeito.
— Não consigo conversar abertamente com ninguém, não sei me expressar e tenho muita dificuldade pra dizer o que eu sinto - Falo e eu mesmo me surpreendo por ter dito.
— E sua maior qualidade?
— Qualidade? Putz - Penso um tempo - Não faço idéia.
— Incrível como a gente nunca sabe dizer uma qualidade sobre nós mesmos, né? - Ri - Quer ver, fala uma qualidade minha.
— Sua? - A encaro - Você é engraçada, é super de boa, intensa.
— Ser intensa é uma coisa boa?
— Pra mim, sim.
— Tá vendo? A gente só se conhece a um dia e você sabe dizer qualidades minhas, mas convive com você mesmo tem dezesseis anos e não sabe citar uma sua?
— É verdade - Ri - Me fala um defeito seu.
— Além do egoísmo? Tô sempre cansada, me irrito muito fácil, falo demais, sou muito intensa - Diz e nós rimos.
— E uma qualidade?
— Sou muito sincera - Diz prontamente - Às vezes não é uma qualidade, mas é a única coisa boa que eu tenho.
— Sinceridade é sempre bom, mesmo que às vezes doa, é a melhor opção sempre.
— Também acho - Diz e vejo seu queixo tremer.
— Tá com frio agora, né? - Rimos.
— Um pouco, mas tá de boa.
— Quer o meu moletom?
— Que cavalheiro - Diz rindo - Mas não precisa, se você me der, você vai ficar com frio.
— Não tem problema, eu usei um pouco, agora você usa.
— Não precisa, sério. Você já veio até aqui, não é justo te tirar da sua cama e ainda te deixar com frio, eu tô bem.
— Já sei.

Me sento novamente de frente pra grade e abro meu braço esquerdo, pra que ela se aproximasse de mim, então ela vem e se ajeita no meu peito e eu a abraço.

— Não tá cem por cento, mas já ajuda - Digo.
— Tá ótimo - Boceja.
— Tá com sono?
— Um pouquinho e você?
— Eu não. Quer que eu te leve pra casa?
— Não, quero ficar mais um pouco. Tudo bem pra você?
— Aham, quando cê quiser ir, a gente vai.
— Tá bom - Não estou olhando no seu rosto, mas sei que ela sorriu pelo tom de voz - Eu disse, você é legal.
— É, talvez eu seja mesmo.

[ ... ]

𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤 𝙩𝙚𝙢𝙥𝙤 𝙖𝙘𝙖𝙗𝙖𝙧 ⏳ • konaiOnde histórias criam vida. Descubra agora