sete

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Voltamos pra dentro de casa completamente encharcados e deixando o rastro de água da cozinha até o meu quarto. Procurei no meu guarda roupa uma calça de moletom e uma blusa que ficassem boas nela e entreguei junto de uma toalha. Ela foi tomar banho no banheiro do meu quarto e eu segui pro banheiro no quarto da minha mãe.
Quando voltei, ela estava sentada na minha cama, encarando chuva que ainda caía sem trégua.

— Tá tudo bem? - Pergunto.
— Sim - Me olha e sorri.
— As roupas tão boas? Quer um moletom?
— Não, tá ótimo, sério. Mas acho que preciso ir.
— Sério? - Sento na beirada da cama.
— Meu pai já chegou e mandou mensagem perguntando onde eu tô.
— Fala que tá com alguma amiga, sei lá. Sério, fica.
— Quando a chuva parar, eu vou então, tá?
— Tá - Sorrio - Quer comer alguma coisa?
— Tanto faz - Volta a olhar pra fora.
— O que cê tem? Tava tudo bem lá fora, mas parece que cê tá triste de novo.
— Eu sou assim mesmo - Ri - Às vezes fico triste do nada, sem motivo.
— Quer conversar?
— Não, tô bem - Me olha e sorri - Sério.
— Se quiser ...
— É sério.

Ela estende a mão pra que eu segurasse e quando vou pegar, vejo os cortes feitos em formato horizontal no pulso dela, alguns cicatrizados e outros nem tanto. Conforme subi os olhos, vi muitos outros espalhados em todo a extensão do braço e aquilo me deixou mal.

— Eu sei que se eu realmente quisesse morrer assim, teria que cortar na vertical - Fala simples - Mas é só pra aliviar um pouco.
— Essa não é a solução, cê sabe disso.
— Você não pode me dar lição de moral, sabe disso, né?
— Posso - Ergo as mangas do moletom - Tá vendo alguma coisa aqui?
— Isso não muda o fato de você já ter tentado alguma coisa, além do mais, esse é o jeito que eu encontrei pra tentar tirar um pouco do peso de mim.
— Quando foi a última vez?
— Ante ontem, a noite - Diz baixinho.
— Você lembra do nosso trato, né? Por favor, não faz isso contigo.
— Isso não é tentativa de suicídio, é só um... Alívio.
— Me escuta - Seguro as mãos dela - Isso tá incluso, você não pode fazer nada que vá te machucar, que te faça sentir dor.
— Mas...
— A idéia do acordo foi sua, vai dar pra trás agora? - A encaro.
— Não, eu só ...
— Promete que não vai mais fazer isso?
— João ...
— Violetta, promete! - Digo o nome ela suspira fundo.
— Prometo se você me contar uma coisa.
— O que? - Me ajeito na cama e sento de frente pra ela.
Qual o seu maior medo?
— Eu não tenho medo de nada.
— Sério? - Me olha surpresa.
— Sério - Sorrio - Qual o seu maior medo?
— Sentir dor, quando eu morrer - Fala baixinho.
— Não vai sentir - Falo - Cê vai morrer dormindo, fica vendo.
— Tomara - Diz rindo e uma lágrima escorrer no seu rosto, então outras caem automaticamente e o choco dela invade o quarto.
— Ei, que foi? - Me aproximo.
— Eu não quero sentir dor... Dor nenhuma, eu sou muito fraca - Se agarra a mim e eu a abraço firme.
— Cê não é fraca, não fala isso.
— Eu podia ter acabado com todo esse sofrimento - Soluça - Deixar meu pai seguir a vida dele em paz, mas eu não consigo, sou covarde demais pra isso.
— Mano, não fala isso, cê não é covarde - Falo com a boca encostada na cabeça dela - Na real, cê aguenta tanta coisa, tá passando por uma loucura da porra e tá aqui, tá firme. Você é corajosa pra caralho.
— Não sou não, por que é que eu não consigo acabar logo com isso? Eu não aguento mais.
— Porque você fez um trato comigo, lembra? - Digo e o choro dela começa a amenizar - Mano, viver nem sempre é bom, mas a gente vai se ajudar, lembra? Eu tô aqui por você, por favor, não faz nada, eu preciso de você.
— Não precisa não.
— Preciso sim, olha pra mim - Digo e ela se afasta um pouco pra me olhar - Promete que cê não vai fazer nada que te machuque, que te faça sentir dor ou que tire você de mim?
— Não sei se ...
— Promete, por favor - Minha voz falha - Preciso de você... Viva!
— Você promete que não vai sair da minha vida? Nunca?
— Prometo.
— Tá, eu prometo - Fala tentando parar o choro - Eu disse que você era legal - Sorri fraco.
— Talvez eu seja - A abraço novamente - Vai ficar tudo bem, viu?
— A gente vai se ajudar - Fala com o rosto enterrado no meu peito - Cê não vai se livrar de mim tão fácil.
Eu não quero isso.

[ ... ]

𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤 𝙩𝙚𝙢𝙥𝙤 𝙖𝙘𝙖𝙗𝙖𝙧 ⏳ • konaiOnde histórias criam vida. Descubra agora