Quarenta

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— Bora comigo na próxima vez, ela é doida pra te conhecer, sabia?

Samuel mostrou um sorriso enigmático, enquanto cortava a cenoura.

— Eu tenho certeza disso, mas acho melhor não.

— Porque não? Qual é, mô, bora. — insistiu com sua melhor expressão carismática.

Toni parecia até cogumelo quando aprontava e Samuel o repreendia, os olhos enormes e pidões. O mais velho sorriu um pouco disso, mas a descontração foi breve e no momento seguinte estava pensativo e algo resignado.

— Melhor não.

Samuel virou para o outro lado, pegou uma vasilha plástica, e Toni soube imediatamente que ele estava fugindo dos seus olhos.

— Ela é boa nisso, sabe? Tipo, a terapia tá me fazendo bem  pra caralho e eu acho que ia ser bom pra ti também. — argumentou, a voz cheia de brandura.

O mais velho suspirou e virou de volta, colocou as cenouras na vasilha e foi pegando uma batata que estava ali na bacia em cima do balcão.

— Não ia não. — rebateu com tranquilidade.

— Como tu pode saber, sem nem tentar? Hum? Qual é mô, eu sei que a gente já falou sobre isso um monte de vezes, mas tô te pedindo, dá uma chance.

Samuel parou de descascar a batata, um pouco pesaroso por um momento, lhe entregou o legume e a faca para que terminasse a tarefa, começou a pegar os temperos.

— Se você estivesse me pedindo qualquer outra coisa, provavelmente eu faria, mas terapia não é mais uma possibilidade para mim. A sua terapeuta não deve ter falado sobre isso, porque imagino que não é relevante e provavelmente você não sabe, mas… a terapia tradicional não funciona para todas as pessoas e, bem, eu sou uma delas.

Enquanto falava, colocou sal na água fervente, pegou a vasilha com o macarrão cru que havia deixado ali perto antes, despejou na panela.

— Mas isso é por causa da Alexitimia? — questionou sem rodeios, deslizando a faca pela batata, fazendo pedaços de cascas caírem na mesa.

Samuel olhou por cima do ombro primeiro, direto nos seus olhos e isso foi assustador, pois havia um brilho diferente, algo frio e cheio de estranheza, mas que claramente não era direcionado exatamente para Toni.

— Você sabe sobre isso? — perguntou calmamente.

Foi uma pergunta retórica, era óbvio, pois em seguida ele saiu de perto do fogão, se escorou na pia, absorvendo a informação, lhe encarando com um olhar inexpressivo que lhe encheu de mau pressentimento. Por um momento Toni não soube o que dizer, pois não entendia o motivo da pergunta.

— Me refiro a esse nome, você sabe sobre a alexitimia — falou, claramente não foi uma pergunta e sim uma constatação.

A luz do entendimento se acendeu na sua mente, como um tiro Toni lembrou da primeira vez que ouviu esse termo e agora que parava para pensar, percebia que de fato nunca conversaram abertamente sobre isso.

— Ah, tá,  isso? Pois é… tipo, como eu posso dizer? — tentou ganhar um pouco de tempo, enquanto procurava as palavras certas. — Acho que foi teu primo que me falou, mas isso faz um tempão já, tipo foi antes da gente namorar.

Samuel acenou em sinal de compreensão, cruzou os braços e finalmente rompeu o contato visual, abaixou a cabeça, encarando o chão com seriedade e algo pensativo também.

— Faz sentido, isso é algo que ele faria.

A apreensão cresceu rapidamente, o coração batendo forte no peito, tirou mais uma faixa de casca de batata e deixou cair na mesa, tentando imaginar o que Samuel devia estar pensando, pois pela primeira vez em muito tempo se sentia incapaz de decifrar a expressão vazia que ele mostrava.

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