Sessenta

2.8K 190 113
                                    

O toque soou repetidamente no modo alto-falante do celular enquanto puxava a calça jeans preta para cima, ajeitando a peça de roupa ao redor do quadril. Fechou o zíper e o botão, pegou o cinto preto na cama, se ocupando em colocar o acessório através dos passantes.

— Hum... Dr. Yuri falando — falou a voz rouca e enfraquecida do outro lado da linha. — Boa tarde, aqui é o Samuel Franco, responsável pelo Antônio Neves, desculpe incomodar, você me passou o seu contato para o caso de alguma intercorrência. 

O médico pigarreou e o som de panos surgiu ao fundo, era fácil imaginar que ele estava dormindo, mas não se sentia mal por ter interrompido o descanso dele. Fechou a fivela prateada tradicional e virou para o roupeiro aberto, pegou a camiseta branca, ela tinha listras azuis escuras horizontais, da barra até abaixo do peitoral, que quebrava a monotonia da roupa, vestiu com rapidez e arrumou o cordão de couro trançado, deixando a palheta que usava como pingente por dentro da camisa.

— O cara grande, tatuado e mau encarado que as meninas tiveram medo de atender... — balbuciou, bocejando em seguida.

— Exatamente — reafirmou.

— Como tem sido esses dias? — questionou, a voz mais nítida e firme.

— Absolutamente calmos, mas hoje houve um incidente e ele precisou conter o nosso cachorro, para evitar um ataque mais grave. — explicou.

— Qual o tamanho do cachorro?

— Eu não sei dizer com precisão, tem dois meses desde a última vez que fizemos as medições no veterinário, ele estava com 25 kg e mais de 50 cm de altura.

— Um cachorro de porte grande.

— Sim, ele é. Eu estou entrando em contato porque a dor de cabeça voltou depois do esforço, apesar dele estar medicado. — justificou, pegando um dos seus blazers slim, tinha o tom azul oxford, por isso achou que ficaria bem, já que não tinha tempo nem disposição para se arrumar de verdade — Acha necessário levar ele ao pronto-socorro? 

— Como ele está tomando a medicação? — questionou, ao fundo podia ouvir mais sons de pano e depois água.

— Conforme você indicou, 500 mg de paracetamol a cada seis horas. A próxima dose será às seis da tarde. — afirmou, conferindo as horas na tela do celular, antes de passar a mão no cabelo.

Não tinha muito tempo para se arrumar, por isso ignorou o relógio de pulso em cima do móvel de cabeceira, calçou as meias escuras e optou pelo tênis que usava na época que treinava na academia. Eram confortáveis pois foram comprados levando em consideração a artrose, tinham um ótimo sistema amortecedor, eram práticos por que não usavam cadarços e a cor preta era caia bem com qualquer coisa, mesmo com o solado branco.

Pegou a carteira e o celular, pegou a primeira bengala que viu no seu caminho. Era de alumínio, predominantemente preta, com borracha de alta tração na ponta e cabo tipo T modelo derby, cujo a ponta era mais proeminente. Desceu a escada ouvindo as recomendações do médico e se esforçando para não cair.

O clima era tenso, mórbido e ninguém falava nada. César estava sentado na ponta do sofá, o semblante sombrio e os ombros caídos mostravam que estava tendo algum conflito interno. Lucas estava sumido para a cozinha, mas podia ouvir o barulho que ele fazia ao organizar as compras e isso era um alívio, porque de outra forma, teria que fazer isso quando voltasse.

Toni estava sentado no sofá, tinha um vinco bem marcado entre as sobrancelhas e os olhos estavam firmemente fechados numa expressão de dor.

Luz estava logo ao lado do pai, os braços ao redor do pescoço dele sem apoiar peso, apenas um abraço frouxo, o rosto escondido no ombro forte e as pernas encolhidas em cima do sofá, numa pose um pouco torta e Toni afagava as costas magras com a mão enorme enquanto os ombros dela ainda tremiam, denunciando o choro silencioso.

Segredo de FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora