Capítulo Vinte e Um

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Samuel era um homem no limite.

Essa era a verdade.

Havia guardado no lugar mais escuro do seu íntimo todas as coisas ruins que lhe aconteceram, junto com todas as emoções que nunca aprendeu a administrar. Talvez ele estivesse tão cheio de todas elas que já não tinha como conter tudo no seu interior, sozinho.

Toni ergueu o ferro com mais força, tencionando seus músculos, o suor já escorria pelo seu corpo. Precisava gastar aquela energia ruim e recorreu a academia. Não conseguia esquecer aquele olhar raivoso e ressentido que recebeu do músico na noite anterior.

O problema de um indivíduo sentir raiva silenciosamente, deixar que se acumule é que em algum momento isso explode. Toni teve crises de raiva violentas boa parte da sua vida, ficava cego e surdo e machucou pessoas de forma brutal. Mas Samuel não parecia o tipo de pessoa que explode dessa forma, procurando briga, acreditava que ele era mais o tipo que machucava a si mesmo.

Tentou puxar na memória alguma vez em que Samuel se irritou de verdade. Mas nada lhe ocorreu, precisou voltar muito no tempo, anos, até o dia que ele leu a carta da falecida mãe, onde ela revelava segredos do passado da família.

Naquela ocasião Samuel se descontrolou, gritou, ficou furioso, indignado, quase enlouqueceu com tamanho da injustiça que sofreu a vida toda. Mas aquela também foi a última vez, nunca mais houve um episódio como aquele. Começava a se questionar se isso era normal.

Continuou levantando peso, completamente concentrado nas suas reflexões.

Já havia terminado seu treino e se encaminhava para o banheiro da academia quando encontrou com Cauã, que vinha acompanhado de uma bela mulher. A pele era cor de chocolate, bonita, cabelos cacheados perfeitamente cuidados, corpo curvilíneo, maduro e carnudo. Em resumo nada parecido com as moças magras e estupidamente novas que estava habituado a ver o chefe.

A conversa cortês foi fácil, Cauã fez questão de apresentar os dois. Assim Toni soube que se tratava de Elisa, a atual dona do coração do seu chefe, pelo que lembrava da historia deles, a mulher conquistou o mulherengo senhor de idade por não ceder aos desejos dele logo no primeiro encontro.

Na opinião de Toni, foi uma boa tática, pois Cauã não era habituado a encontrar resistência. Não que ele fosse o mais lindo dos homens, aliás estava muito longe disso, mas dinheiro sempre chamou a atenção nos tipos de lugares por onde ele andava. Apesar de ser um ideal machista, era real e era assim que Cauã achava namoradas temporárias nos bares e casas noturnas por onde se divertia as vezes. Eram meninas novas e interesseiras que claramente gostavam de receber presentes e algumas até tentaram amarrá-lo em um casamento prematuro cheio de juras de amor ou com uma gravidez conveniente e inexistente. Mas o homem era experiente de mais para cair assim.

Conversaram ali por alguns minutos, como era costume entre os dois, mas quando Cauã perguntou sobre como Samuel estava, provavelmente por educação, Toni aproveitou a oportunidade.

— Tá bem, quer dizer, tá puto da vida comigo, mas tá de boa.

— Mas tá zangado porque?

Toni coçou a nuca, lembrando do desentendimento.

— Deixa quieto, é coisa nossa, sabe como é. As coisas se ajeitam, mas eu queria mesmo falar contigo sobre ele, mas é sobre os treinos.

— Eu percebi que ele não tem vindo há uns dias...

— Pois é, cara. Com esse lance da parente dele lá, internada, as primas dele tão lá em casa, eu já te disse isso. Ele não gosta de deixar tudo nas costas da minha mãe, então ficou meio puxado. Mas eu tô querendo retomar os treinos dele, porque não dá para descuidar não, isso tá me preocupando. O que eu queria ver contigo é a possibilidade da gente poder fazer o treino depois do expediente, com a academia já fechada.

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