Toni virou o volante, fazendo a curva para a direita, saiu da avenida e entrou na rua em que morava. O cachorro ganiu e arranhou a porta, subitamente agitado, começou a pisar no banco de couro e latir.
— Tá sentindo falta de casa, né? Eu sei, tá bom, já tamo chegando — confortou o animal, como se ele pudesse compreender o que dizia.
Passou a mão na cabeça e nas costas no cão quando parou o carro na entrada e esperou o portão abrir. Estacionou na garagem e quando abriu a porta o cachorro disparou a correr pelo quintal e pela varanda, topando nos vasos de plantas na entrada, atropelou os arbustos menores, esbarrou nas suas pernas e imediatamente o pegou no colo.
Em hipótese alguma, Cogumelo poderia esbarrar assim nas pernas do dono, ou Samuel cairia outra vez e isso poderia catastrófico. O animal se agitou nos seus braços e precisou de força para contê-lo.
— Calma, você vai ver ele, mas tem que se comportar, sacou? — falou, entrando em casa pela porta da sala.
Samuel não estava a vista, foi até a cozinha, mas ele também não estava ali. A porta de trás estava aberta, foi até lá acariciando a cabeça do cachorro.
Samuel estava sentado na beira do piso, escorado numa viga, as pernas ligeiramente flexionadas, o rosto virado para o quintal, então não podia ver com clareza, e tinha uma mão sobre o peito, controlando a própria respiração e isso parecia estranho, mas não houve tempo de tentar decifrar a cena.
Imediatamente Cogumelo pulou dos seus braços e correu para o dono, apesar do susto não tentou impedir, o homem estava sentado, não havia risco de acidentes.
O cachorro chegou se enfiando por entre as pernas do me músico, lambendo o rosto pálido. Ao contrário do que Toni esperava, o homem não sorriu, ele abraçou o cachorro com um braço e cobriu os próprios olhos com a outra mão enquanto os lábios tremiam em emoção.
Cogumelo lambeu o rosto do músico, se empurrando e se esfregando contra ele, latindo e abanando o rabo, e conseguiu arrancar o primeiro sorriso do dono, que veio junto com uma lágrima. Samuel abraçou o cachorro adequadamente, usado os dois braços e por um instante Toni pode ver as lágrimas e o rosto vermelho, antes dele beijar o cachorro, ainda lutando com a própria respiração.
Por um longo momento assistiu o marido matar a saudade do cão com sorrisos tristes e olhos marejados, até entender que Samuel estava consciente da sua presença e não estava olhando na sua direção de propósito. Isso significava que estava em problemas.
Toni estava tentando ser racional, mas Samuel havia se fechado, ele tinha um jeito ausente de olhar que inibia suas tentativas de aproximação e isso era frustrante.
Dias atrás estavam fazendo amor num bangalô na beira da praia e assistindo shows de sertanejo e agora estava deitado na cama sozinho com a mente congestionada de preocupações e sendo ignorado pelo homem.
Depois de jantar e assistir ao jornal, apenas subiu para o quarto e trouxe toda sua frustração para a cama. Sabia que havia feito uma coisa errada, aliás isso estava acontecendo muito frequentemente.
Quando já estava aborrecido o bastante levantou da cama e desceu até o escritório, precisava ocupar a mente com urgência ou sentia que ia enlouquecer e já havia protelado por tempo de mais a busca por emprego.
Ligou o notebook e se acomodou na cadeira almofadada. Conferiu os sites com ofertas de emprego e visitou alguns sites das academias da cidade que estavam contratando, mas não conseguia se sentir confortável em voltar a trabalhar nestes ambientes.
É interessante como a visão de um ambiente muda quando já se fez parte dos bastidores, por assim dizer. Sabia que não deveria generalizar, provavelmente alguns daqueles lugares tinha um ambiente de trabalho mais saudável, mas não conseguia afastar a sensação ruim.
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Segredo de Família
RomansaOito anos se passaram, Samuel, Toni e Luz acabaram formando uma família como qualquer outra. A menina que antes idolatrava o irmão mais velho se revolta, no auge da adolescência, quando Samuel se recusa a falar sobre, Mauro, o pai biológico da irmã...