Cinquenta e cinco

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O corredor estava quase vazio, quando saiu pela porta larga do quarto. A luz do sol atravessava as janelas de vidro, desenhando retângulos no chão frio por toda a extensão do corredor. A bengala fez barulho a cada passo que deu em direção a placa onde se lia "enfermaria", acima do balcão de atendimento, a perna pesava um pouco já que havia tirado a órtese, ela estava apertando tanto.

Assim que se aproximou, pode ver a parede de vidro atrás da pequena recepção, onde várias pessoas de jaleco estavam sentadas ao redor da mesa, ocupadas com pastas e papéis, fazendo anotações e falando ao mesmo tempo. Parecia uma bagunça ordenada.

Parou em frente ao balcão e pousou a mão no mármore frio.

— Com licença, — chamou a atenção da mulher que estava sentada logo atrás do balcão — boa tarde, uma moça está aferindo a pressão do meu marido e ela me disse para vir aqui.

Tentou explicar da melhor forma que conseguiu, embora não estivesse totalmente seguro do que estava acontecendo.

— Entra ali, querido, naquela porta porta de vidro, o médico quer falar com você. — pediu, apenas indicando a direção com a cabeça, não que precisasse de muita instrução para achar o caminho.

Deu a volta no balcão, agradecendo a mulher com um aceno, que ela não viu, pois já retomava o trabalho que fazia com seus próprios papéis. Foi até a porta e entrou. As pilhas de pastas pareciam maiores agora que estava perto.

Alguns rostos viraram na sua direção e outros não, alguns um pouco intrigados e isso claramente significava que não deveria entrar naquele lugar.

— Boa tarde, a moça que está atendendo os pacientes do quarto 27 me pediu para vir aqui. — anunciou.

— Qual o nome do paciente? — questionou uma jovem de jaleco cor de rosa claro, sem parar de escrever.

Samuel levou um segundo para entender a que ela estava se referindo.

— Antônio Neves, leito 11 — respondeu enfim.

— Oh, o homem enorme com cara de mau que não gosta de salpicão e que as estagiárias tiveram medo de atender — brincou um dos homens à mesa e imediatamente o reconheceu como o médico que atendeu Toni pela manhã.

O homem estava bem cansado agora, mas ainda conservava uma simpatia oculta que transmitia tranquilidade. Levantou e pegou uma das suas pastas, se dirigindo para a pequena sala adjacente e indicando que o seguisse.

— Vamos lá... o homem da Concussão... — comentou, apenas falando enquanto colocava a pasta em cima da mesa no pequeno consultório — Você é parente dele, certo?

— É o meu marido — respondeu, sentando na cadeira em frente a mesa  com alguma dificuldade.

O médico se ajeitou na sua cadeira, ligeiramente surpreso com a resposta, levou um segundo para assimilar a informação, mas não parecia chocado ou escandalizado.

— Isso é bom, sinal de que estou falando com a pessoa certa.  Como é seu nome? — perguntou, com simpatia, olhando nos seus olhos sem receios.

— Samuel. — se apresentou, pousando as duas mãos no topo da bengala e abrindo as pernas ligeiramente, porque a posição reta ajudava a minimizar o desconforto da articulação.

Os olhos do médico dançaram por um segundo para a bengala entre suas pernas, mas isso não era nenhuma novidade. A bengala era um modelo vintage, madeira envernizada, o punho era uma cabeça de tigre dourada, o colar era metálico e tinha um tom de amarelo mais claro, assim como a ponteira, que tinha desenhos de tigres gravados no metal. Era uma boa bengala, uma das suas preferidas, mas sabia que não era por isso que ela chamava a atenção.

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