Quarenta e seis

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Samuel não estava na área destinada aos fumantes, o encontrou escorado numa parede no estacionamento do prédio, um cigarro preso entre os lábios enquanto observava a chuva.

À medida que se aproximou do marido, sua mente tentava encontrar uma forma de dizer a ele que teriam que voltar mais tarde. Seu corpo ficou tenso, seu coração acelerado, quando finalmente parou na frente do homem, ele tirou o cigarro da boca e mostrou um sorriso simples e cansado, porém sincero, apenas um esticar de lábios.

Toni até abriu a boca, mas na primeira tentativa nenhuma palavra saiu, então voltou a fechar e Samuel ergueu uma das sobrancelhas.

O mais velho havia aprendido a simular as emoções, sabia interpretar reações de acordo com as circunstâncias e situações em que estivesse envolvido, era um excelente observador e tinha uma dedução lógica incrível. Claro que isso foi uma necessidade, devido a sua limitada capacidade de expressar as próprias emoções corretamente. Fosse qual fosse o motivo o fato era que ele havia treinado por anos com terapeuta, por tanto mentir e manipular não era uma opção, pois verdade seja dita, essa nunca foi uma característica sua.

Sua única ideia promissora, foi dizer a verdade e apostou todas as fichas nela, talvez com um pouco de sorte conseguisse convencer o homem. Quando contou o arranjo que fez com o médico, a expressão leve no rosto do músico,foi desaparecendo e por fim ele abaixou a cabeça e permaneceu quieto por um momento absorvendo suas palavras.

— Nós fizemos um acordo, que você não está respeitando.

Essa foi a primeira coisa que ele disse e Toni sentiu um nó se formando na sua garganta.

— Qual é Samy, por favor, só essa vez.

Samuel passou a mão na testa por um momento, os dedos tremendo ligeiramente.

— Foi o que você disse semana retrasada, e meia hora atrás e está dizendo agora, de novo! Sempre é "só essa vez"! — reclamou, realmente aborrecido.

— Esse médico é bom de verdade! Tá legal?! Não vai ser como antes! — insistiu, o tom suplicante na voz.

— Como você sabe?! Você não conhece ele! Você só esbarrou com ele por acaso! — acusou.

— Porra, mô! É o dono de um centro de referência em ortopedia e reumatologia! Ele deve ser bom para caralho!

Samuel abaixou a mão levando-a direto para o bolso da calça. Balançou a cabeça num sinal negativo, mas era como se estivesse falando consigo mesmo.

Toni não estava pronto para desistir ainda, não depois de ter conseguido a consulta mais promissora da vida do marido. Avançou dois passos, cobrindo o espaço que os separava e pousou em ambas as mãos nos ombros do músico.

— Samy, olha pra mim, cara, por favor, só olha pra mim. — pediu, tentando soar o mais doce possível enquanto o homem parecia arredio e permanecia de cabeça baixa.

Poucas vezes viu Samuel tão resistente, exceto na primeira e única vez que quase o perdeu, anos atrás. Samuel entrou no quarto no exato momento em que estava rolando na cama com o ex. Obviamente foi apenas uma brincadeira a toa comum entre amigos, porém não foi assim que seu marido interpretou. Naquela época estavam juntos há poucos dias, foi assustador ver Samuel saindo pela porta e ficar sem notícias por horas.

Quando finalmente o encontrou, ele estava tão arredio, assim como agora, ele não olhava nos seus olhos, os lábios finos estavam trêmulos e ele visivelmente tentava erguer muralhas ao seu redor com desespero e afinco.

O mais velho tentou se afastar, se esquivou do seu toque e deu um passo para trás. No entanto, o mais novo não podia se render, puxou o marido para os seus braços e o envolveu, num abraço não apenas para acalmá-lo, mas porque ele mesmo também precisava de amparo.

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