Capítulo sesseta e três

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Luz não era como as garotas da sua idade, ela não se emocionava com filmes românticos, não suspirava por novelas e não chorava mesmo quando precisava, era muito mais provável que ela fosse uma valentona.

No passado, quando viviam todos juntos na pensão, era Samuel que lidava com os assuntos privados da menina. Coisas como as mudanças físicas e emocionais da puberdade, interesse por garotos, sexo e até mesmo ciclo menstrual, seu marido foi o único que conseguiu abertura para conversar e orientar sobre todas aquelas "coisas de menina". Era sua filha, mas ele nunca lhe pediu um absorvente.

Um bom exemplo, eram os sentimentos secretos dela pelo seu irmão adotivo, Lucas, o fato de ter sido o último a saber disso só demonstrava que não era a primeira opção quanto a assuntos sensíveis, mas seu marido era, ele foi o primeiro e provavelmente o único pra quem ela se abriu. Samuel foi a pessoa de confiança da sua filha naquela época, antes de todos aqueles segredos de família afastarem os dois.

Era por tudo isso que lhe parecia tão destoante ver ela encolhida no canto do quarto, tremendo de medo. Toni não tinha certeza de como deveria agir diante da fragilidade da filha, já que sempre foi seu marido que lidou com assuntos sensíveis. Ela realmente foi atacada, arrancada da própria cama e agredida e teria sido pior se não chegasse a tempo, isso com certeza deixava marcas emocionais e psicológicas em qualquer pessoa, especialmente numa garota de 15 anos, magrela e marrenta, que gostava de fingir que não.

— Ei, levanta daí, o piso tá gelado — pediu da forma mais mansa que poderia, mas ela não se moveu imediatamente.

Toni precisou ir até lá, puxou ela para cima e a garota magra e leve veio facilmente, lhe abraçando e deixando escapar alguns soluços de choro contido. Nesses momentos noturnos que vinham se repetindo nas últimas noites, sua vontade de ter matado aquele sujeito voltava com tanta força que sentia seu sangue ferver nas veias de tanta raiva.

— Eu tô com medo pai — desabafou, apertado os braços magros ao seu redor em busca de segurança  — Eu pensei que tinha alguém aqui dentro… eu acordei e eu senti como se tivesse alguém aqui, mas eu sabia que não tinha de verdade.

Toni fechou os olhos e lutou contra seus demônios internos, acariciando as costas da filha e beijando o topo da cabeça lentamente.

— Eu sei, vai ficar tudo bem, volta pra cama — pediu, soltando o abraço.

A menina obedeceu, sentando e cobrindo as pernas, pronta para deitar. Toni sentou na beira da cama e acendeu o abajur florido que lançou luzes fracas em tom de rosa e roxo pelo quarto e só então pode olhar o rosto da filha adequadamente, ela tinha olhos avermelhados e olheiras, o cabelo estava arrepiado e o semblante caído. De repente os lábios dela tremeram e entortaram para baixo bem diante dos seus olhos e ela lhe encarou de volta, o rosto mudando numa expressão lamentosa.

—  Quando isso vai acabar?

Toni sentiu seu coração pesar por ela, alisou o cabelo desgrenhado com cuidado e a puxou para se escorar no seu corpo, enterrando os dedos por entre os fios loiros e esfregando suavemente.

— Logo, tu vai ver — garantiu.

— Mas o papai disse que talvez isso nunca acabe, talvez eu… não fique boa nunca.. eu não quero isso pai, eu não quero ficar com medo pra sempre — pediu, aflita, voltando a soluçar de choro por um momento.

Toni fechou os olhos com força e praguejou silenciosamente, ainda esfregando os dedos no couro cabeludo macio.

— Não foi isso que ele quis dizer, tá bom? Teu pai tem um jeito diferente de falar que às vezes confunde a gente —  tentou explicar com suavidade, mesmo que fosse péssimo em ser suave.

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