Vinte e nove - Primeira parte

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Samuel suspirou lentamente e cobriu os olhos com o braço. Era impossível dormir naquele calor, não importa que já estivesse sem roupa, virou na cama, ficou de costas para o marido, mas não fechou os olhos pois sabia que seria inútil. Respirou fundo e tentou esvaziar a mente, talvez se focasse em desacelerar seus pensamentos o corpo se tornasse capaz de ignorar o calor e se entregasse ao sono.

Havia todo aquele silêncio absoluto, como se o escuro atípico daquela noite acentuasse ainda mais sua audição. Não havia as luzes de led dos aparelhos eletrônicos que geralmente ficavam acesas pelo ambiente, vários pequenos pontos iluminados, ou a claridade da luz da varanda que costumava entrar pelas frestas da cortina, ou mesmo a do corredor que as vezes as meninas deixavam ligada por esquecimento.

Samuel se mexeu outra vez, deitou de costas na cama, ficou encarando o breu, ajeitou o travesseiro, dando-se conta do fato, as meninas não estavam no quarto ao lado esta noite e diante desta constatação óbvia sentiu um calor diferente surgir sorrateiramente no seu interior e até mordeu o lábio inferior, naquele antigo tique nervoso.

- Isso é o que dá tomar café a essa hora.

A voz do marido trovejou rouca do seu lado.

- Que susto! Eu pensei que estava dormindo.

- Hum, eu tô tentando né, mas contigo dançando em cima da cama desse jeito tá difícil.

- Desculpa, mas não é pelo café, só está muito quente e eu não consigo dormir.

Toni sentou por um momento, em seguida saiu da cama e Samuel pode ouvir seus passos se arrastando pelo quarto escuro. Logo ouviu o som do ferrolho da janela e ela foi aberta, permitindo que pudesse ver a silhueta forte e máscula do marido com a pouca luz que entrou no ambiente.

Samuel absorveu aquela vista, as linhas duras e quadradas do corpo mais jovem poucos anos instigaram seu desejo já desperto. Fez-lo lembrar daquela dança sensual e boba de mais cedo, sabia perfeitamente que havia sido nada mais que uma provocação, mas secretamente apreciou aquilo, os movimentos fluídos e o jeito que ele mexia o quadril colado no seu.

- Não vai adiantar muito, mas vai ficar menos abafado agora.

- Obrigado - falou baixinho.

Seguiu ouvindo os sons do homem ao seu redor, percebeu quando Toni entrou no banheiro, o som da urina, da descarga, da água na pia e de repente Samuel estava tão excitado e tudo que pensava era que as meninas não estavam ao lado.

Tentou lembrar da última vez que teve um momento íntimo com o marido dentro do próprio quarto e ponderou sobre essa lacuna de memória, atentando-se ao momento furtivo e cauteloso cerca de dois dias atrás. A rotina estava cheia de momentos assim, toques rápido, onde tentava não se deixar levar muito longe da lucidez, sempre atento a qualquer ruído no corredor, passos leves ou batidas na porta. Tudo era sempre tão tenso e limitado que apesar de toda a paciência que sabia ter, há algum tempo compartilhava um pouco da frustração que via no marido.

Mas não foi sempre assim, a última vez que de fato se perdeu no prazer do sexo forte e exigente do homem foi há meses, estaca tão enlouquecido pelo momento que foi um choque ouvir as pancadas na porta e os gritos da filha lhes repreendendo pelo barulho. As coisas ficaram tao estranhas depois daquilo que até bufou com a lembrança, um pouco de irritação contaminando seu humor por um instante, lhe deixando ainda mais desconfortável junto com o calor, de repente estava tão impaciente por qualquer contato.

Quando por fim Toni voltou para a cama, o músico tinha aquela apreensão gostosa no peito, a incerteza o aflingia, mas ao mesmo tempo não conseguia ignorar o que estava sentindo, além disso o momento parecia oportuno de mais para ser desperdiçado.

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