Terminadas as aulas naquela quinta-feira escaldante, Edu se juntou a Nicole e Renan em um providencial banho de piscina na residência dos irmãos.
— Como seus superiores conseguem bancar esse conforto material todo?
— Olha quem fala...Sua mansão faz a nossa até parecer "casinha de cachorro". Ou você acha que não reparei naquele dia que te dei carona até lá?
— Tudo bem, Nicole. Mesmo assim, acho a residência de vocês uma bela casinha de cachorro de madame — retribuiu Edu, com um sorriso irônico.
Da borda da piscina, acompanhando a conversa da irmã com o amigo, ambos refastelados nas espreguiçadeiras próximas, Renan demonstrava nítido desconforto com as observações de Eduardo. Até porque, por ele mesmo, moraria em um local mais modesto, condizente com sua vocação. Não era de questionar abertamente determinações das Sumas Autoridades, mas julgava de fato aquilo tudo descomedido.
— E você, Renan? O que tem a dizer?
— Sobre...
— É que Nicole desconversa, declarando que tudo isso é fruto de uma parte da oferta dos fiéis que é confiada às igrejas. Há realmente uma comissão que cabe ao Céu?
— Com todo o respeito às diferenças entre você e sua mãe, não julgo adequado ficar desdenhando de um assunto tão sério. Ainda mais diante de uma missão importante, como a nossa.
— Ê....tá mais azedo do que essa limonada!
— Não, Nicole. O Renan tem razão. Peço desculpas pela inconveniência.
— Tudo bem, Edu. Tenho que relevar mais as questões envolvendo a natureza humana, como minha irmã bem me ensina em nossa convivência forçada.
— Que bom que estou tendo meu valor finalmente reconhecido. Agora, aproveita que saiu da piscina e dá uma abastecida em nossos quitutes aqui.
— Ok. Só depois não reclama então que o piso dentro de casa está molhado, mocinha. Pode me dar uma mão, Edu?
Após alguns instantes, já na cozinha, Eduardo resolveu puxar conversa, enquanto Renan pegava pacotes de salgadinhos na despensa para guarnecer o lanche do trio.
— Cara, te peço desculpas mais uma vez. Em geral, não sou de tripudiar a fé alheia.
— Tranquilo, Edu. Se for intimado, deponho a seu favor, alegando ser tudo culpa da influência da minha irmã.
Eduardo fez uma leve careta antes de responder a Renan:
— Pode ser difícil acreditar, mas percebo virtudes em Nicole.
— Cuidado para não derrapar o possante naquelas curvas sinuosas.
— Não se trata disso, Renan. Talvez revisse seus conceitos, se a visse com outros olhos.
— Tá bem, Edu. Prometo refletir a respeito. Agora aproveitando a deixa, minha vez de te perguntar. Como você nos enxerga de fato?
— Ih...taí algo complicado de explicar. Nunca contei isso para ninguém, pois sabia que as pessoas reagiriam ou com falsa condescendência ou com escárnio...
— Inclusive sua psiquiatra?
— No fim das contas, os seres humanos não são tão diferentes assim uns dos outros, como creem.
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Entre o Céu, a Terra e o Inferno
FantasyApós protagonizarem um incidente astral, o anjo Azael e o demônio Uzá são rebaixados de posto e designados por seus superiores para uma missão de cooperação mútua, para lidarem com o aumento vertiginoso de casos de suicídio entre os humanos. O probl...