Entre o Céu, a Terra e o Inferno

Capítulo 20

— O que é esse trabalho sobre este tal de René "Descarte"?

— De-car-te. Era francês — Nicole corrigia a pronúncia da amiga, tentando disfarçar o sorriso.

— Parece mais o nome do cabeleireiro de Mamãe. Cabelereiro não. "Coiffeur" — Saletti provocava, antes de emendar. — Filosofia é um saco!

— Não se tiver um bom professor.

Jordana e Saletti se entreolharam, até que a última criou coragem para se manifestar, com a malícia entre os lábios:

— Hum...conte-nos mais sobre ele. Era mais velho? Já sei...Casado!

— Sossega a periquita, Sal. Para quem vai à igreja todo domingo você é bem assanhadinha, hein?!

Vendo pelo brilho nos olhos das amigas que o assunto ainda se mantinha vívido, Nicole se dobrou à bisbilhotice delas:

— Tá bem. Ele era um professor de filosofia atormentado.

Jordie não conteve a curiosidade:

— Só isso? Discorra...

— E o que você quer saber, sua garota depravada?

As três garotas sorriram umas para as outras.

— Para seu conhecimento, nunca saí com professor da escola que estudei — rebateu Jordie.

— Não foi na escola que eu o conheci — respondeu Nicole.

— Foi onde então?

— Fogo profano! Vocês deveriam seguir carreira de repórter investigativa ou de fofoca... Foi no trabalho. Satisfeitas?

— Trabalho? Não vai dizer que você, que você fazia... — Saletti gaguejava.

— Tá louca, Sal? Claro que não...Digamos que foi um estágio obrigatório.

— Ficou em dependência na matéria, Nick?

— Nada. Tudo culpa de Nietzsche...

— Quem é esse? Outro professor gostosão seu lá da Suíça? — Jordie não se aguentou.

— Hoje a aula é sobre Descartes. Esqueceram?

— Ah não, Nick! Conte mais. Começando por onde este seu professor está agora.

— No inferno. Suponho. Agora vamos abrir o livro na página...

Jordana confrontou então Saletti, que, antevendo a intenção da colega, meneou a cabeça. Nem o gesto recriminador foi capaz de refreá-la.