Capítulo 21

1 0 0
                                    

— Aqui seu Bauru, Edu. No capricho.

— Pelo cheiro, parece bom.

Após dar uma leve mordida em um sanduíche, Renan confidenciou:

— É...Não sou tão prendado quanto a Nicole na cozinha, mas até que meus dotes culinários dão pro gasto. Ah, o suco é de caju.

— Ao menos você sabe diferenciar as frutas.

Ante a troça do colega, Renan decidiu ir direto ao ponto:

— E como foi o passeio com minha irmã ontem?

— Ela não comentou nada a respeito contigo?

Renan ficou avaliando Eduardo por alguns instantes. Imaginava que a intenção do rapaz fosse sondar até onde iria o interesse de Nicole por ele. Por prudência, preferiu recuar:

— Nicole revela muito pouco de seus planos.

— Não confia mesmo nela, né?

— Se convivesse mais tempo com um demônio, agiria da mesma forma, Edu.

— Talvez se a enxergasse como eu, pensaria diferente a respeito de Nicole — rebateu Eduardo, corado.

Renan passou a refletir a respeito. De fato, Nicole aparentava estar mudando. Até seu vestuário passou a ficar mais comportado. Por outro lado, seus instintos angelicais o alertavam para o grau de dissimulação inerente à natureza dos demônios.

De toda maneira, o jovem preferiu adotar um tom mais conciliador junto ao colega:

— Nós, seres espirituais, somos capazes de enxergar o sentimento que um humano cultiva em cada ocasião.

Eduardo hesitou por alguns segundos, processando aquela revelação, antes de se manifestar:

— Bem assustador isso, hein? Você está usando este poder agora comigo?

Renan mal disfarçou o sorriso, diante da voz vacilante do amigo.

— Não usamos nossos poderes na forma humana.

— Por que não podem? Ou por que não querem? — replicou um ressabiado Eduardo.

— Podemos, mas não devemos. Código de conduta.

Eduardo calou-se por um tempo, disfarçando seus devaneios com as mordidas vigorosas no sanduíche. Depois de um longo gole no suco, voltou a inquirir o colega:

— Não se sente tentado a empregar seus poderes angelicais, nem mesmo durante a missão de vocês? Facilitaria um bocado saber o que as pessoas estão sentindo, para identificar potenciais suicidas...

— As consequências seriam nefastas. Principalmente para nós.

— Como assim, Renan?

— Essa pode ser a minha derradeira missão. E a da Nicole também.

— Ainda não entendi.

— É que qualquer falha ou transgressão durante esta empreitada, é passível de uma punição severa.

— Que tipo de punição?

— Extinção da nossa consciência.

— Você quer dizer "mortos"?

— De certa maneira.

— Puxa! Sempre quis saber se um anjo seria capaz de voar.

— Para isso existem as asas — brincou Renan, buscando amenizar o rumo tenso que a conversa havia tomado, segundos antes.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora