Capítulo 19

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A luz daquela manhã de segunda espreitava pela fresta da persiana, atingindo em cheio o rosto de Renan. Mas o que incomodava mesmo o jovem eram as vigorosas batidas na porta do quarto.

— Ô, dorminhoco... Acorda! Está quase na hora da aula.

— Já te disse que não vou à escola hoje, Nicole — Renan respondeu à irmã, logo enfiando a cabeça debaixo do travesseiro.

— Cadê aquele anjo guerreiro que jamais fugiu de uma batalha?

— Tocando harpa em uma nuvem no Céu. Agora me deixa em paz.

— E o que digo para a Jordie, rapazinho? Lembre-se que ela é uma garota potencialmente vulnerável.

— Te odeio! — vociferava Renan, já se levantando da cama. Por mais que não gostasse de admitir, aquela advertência de Nicole era um chamado para a responsabilidade.

— Dê cinco minutos para me arrumar — Renan anunciou pela fenda da porta recém-aberta.

— Ok. Embalei seu desjejum — disse Nicole em um tom terno, enquanto exibia o pacote, desarmando de vez o mau humor do irmão.

Menos de dez minutos e o casal de adolescentes já se encontrava na rota para o colégio.

Nicole aproveitou o semáforo fechado para levar uma das mãos ao rosto de Renan, que reagiu:

— Ei! O que é isso?

— Calma! É que tem uma remela aqui no canto do olho. E você está com as mãos ocupadas com o café-da-manhã.

— Obrigado. E a propósito: esse pão de queijo recheado com goiabada está uma delícia. Não deve nada ao suco de laranja com acerola.

— Percebi pela sua voracidade. Com os cumprimentos de "Expresso Nicole. Divinamente diabólico" — caçoou Nicole, enquanto arrancava com o veículo ante o sinal verde.

— Só você mesma. Se ficarmos até a época do vestibular aqui na Terra, devia era seguir propaganda.

— Olha que não é uma má ideia, viu? Afinal, como dizem os humanos: a propaganda é a alma do negócio. E de alma humana, até que entendo bem.

— Pelo que me consta, somente o lado mais obscuro deles — salientou Renan.

— E não são os sete pecados capitais que vendem por aqui, maninho?

— Não vou entrar nessa sua artimanha, Nick.

A moça mal estacionara o carro em uma das vagas disponíveis, próximo à entrada do Sideral, quando decidiu rebater o irmão:

— Oh, que fofo você me chamando pelo apelido. Agora, falando em artimanha, até pensei em não te convencer a vir para a escola. Ao invés disto, deixaria curtindo sua fossa e avisaria na direção que estava " naqueles dias". Só que daí lembrei que você veio como rapaz. Acho que não iria colar.

— Você tinha que arruinar o clima fraternal, né? — encerrou Renan, enquanto se ejetava do assento com a mochila em uma das mãos e os restos de seu desjejum na outra.

***

Horas depois, Nicole aproveitava o intervalo das aulas para seguir o conselho do irmão, a contragosto.

A simples ideia de dirigir-se amistosamente à Cínthia já era uma tarefa árdua. Agora, fazer as pazes e tentar uma aproximação com ela seria demais, por mais justificável que fosse o motivo.

Nicole, no entanto, encontrara a desculpa perfeita para aproximar-se da desafeta. O pretenso interesse de querer tornar-se uma influenciadora digital.

— Para ser uma influencer de sucesso você tem que conseguir vender aquilo que as pessoas sentem necessidade de consumir.

— E como saber o que elas necessitam? — Replicou Nicole, não acreditando que seu plano surtiu efeito de cara.

O revirar de olhos de Cinthia, no entanto, demonstrava que a empreitada estava longe de ser simples.

Olhando o ambiente de soslaio, Nicole imaginava que os amplos corredores do Sideral seriam o palco perfeito de uma briga homérica, acompanhada por todo o colégio e transmitido pelas redes em tempo real, caso as duas decidissem engalfinhar-se ali naquele instante.

— Ih, pelo visto meu trabalho vai ser maior do que imagino... Darlinguinha, é você que define o que seu público precisa. Sempre.

— Quer dizer que eu devo criar a necessidade deles pelo produto anunciado — concluía Nicole, indicando não estar disposta a esmorecer diante de Cinthia.

— Nada mal, hein?

— Mas como faria isso?

— Ah! Um passo para frente, dois para trás — lamuriava-se Cinthia, até arrematar. — Com glamour. Ostentação.

— Ou seja, futilidades.

Honeyzinha, as pessoas se matam por uma nesga destas "futilidades". E não é força de expressão, não!

— Sei bem disso... — deixava escapar Nicole, ante à reprimenda da colega, enquanto a sineta anunciava a próxima aula.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora