Capítulo 1

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Azael observava o reflexo de seu corpo projetado no espelho, com uma expressão desolada.

Era só o início do primeiro dia da nova missão na Terra. Já tinha servido no planeta dos humanos por eras. No entanto, agora seria diferente. Teria que se passar por um.

"E logo um mortal adolescente", suspirou, enquanto escolhia no armário os trajes a vestir.

Decidiu seguir as regras humanas, tal qual sua conduta como anjo na maior parte das vezes.

Camisa polo azul clara, com o logotipo da escola em que iria estudar a partir dali estampado no lado esquerdo da peça. Calça caqui de tom grafite. Sapatênis cinza escuro. Torceu o nariz para o par de óculos de grau à sua frente.

"Para caracterizar meu personagem, que assim o seja", tentava se convencer um resignado Azael.

Já arrumado, Azael saiu do quarto e desceu as escadas. Só conseguia pensar em quão ingênuo era quando imaginou que a força-tarefa para essa missão seria formada por um grupo composto de anjos em busca da regeneração de um lado e uma horda de demônios que passaram da conta no saco de maldades de outro.

Quando finalmente chegou à cozinha se deparou com a razão de seu suplício.

— Olá, dorminhoco! — A moça lhe cumprimentou, exultante.

— Para seu governo, não preguei o olho — retrucou Azael, estranhando a alegria desmedida de sua interlocutora.

— E por que demorou tanto para descer, rapazinho? Já sei.... Encontrou alguma revista masculina no banheiro.

Azael decidiu responder a provocação à altura:

— Acredito que os jovens de hoje façam uso de outros recursos tecnológicos.

— Alguém leu os manuais...Muito bem! — Antes de que se virasse para checar a frigideira no fogo, a moça arrematou — Ei, você está um nerd perfeito, "mano".

— Não enche, Uzá.

— Olha os modos! Sou sua irmã mais velha. Além do mais, meu nome agora é Nicole.

— Pouco me importa — Azael revirou os olhos, antes de prosseguir — E o que você está aprontando aí?

Nicole dirigiu então um sorriso ao rapaz:

— Ora, nosso desjejum!

— E acaso você sabe preparar refeições humanas, Criatura das Trevas?

— Sou uma especialista no quesito. Se esqueceu que a gula é um dos pecados capitais, "meu anjo"?

A risada funesta de Nicole fez com que Azael conhecesse os efeitos de uma enxaqueca sobre seu corpo humano.

A contragosto, assentiu ao pedido da agora sua irmã e se sentou à mesa para experimentar o café da manhã que ela havia acabado de organizar para eles.

Já na primeira garfada, Azael sentiu uma estranha e agradável sensação enquanto deglutia o alimento. Passou a comer com mais satisfação. Mal parava para ingerir o líquido amarelo no recipiente ao lado do prato.

— Que bom que apreciou, Azael.

— Não foi das piores experiências. — O rapaz não quis dar o braço a torcer.

— Sabia que tinha ficado divino...ou melhor, dos infernos! — Nicole deu uma piscadela para o rapaz.

— Qual o nome do prato?

— Melhor não saber. Está quase na hora do início das aulas. Pega aqui sua mochila e documentos. E lembre-se de que seu nome terreno é Renan Comparato.

O anjo observou então o vestuário da irmã de cima a baixo. Microvestido vermelho sem alças, com parte do busto à mostra, além de realçar as pernas cobertas apenas por uma meia arrastão. Um par de mini botas e uma jaqueta esportiva bicolor completavam o visual.

Após instantes de hesitação, Renan finalmente decidiu questioná-la, em tom de reprimenda:

— Tem certeza que irá assim?

— Gostou? Faz parte do uniforme das equipes esportivas do Colégio. — Nicole instilou todo seu cinismo através dos lábios, enquanto exibia a jaqueta que portava, com ambas as mãos nos bolsos.

— Parece o que os homens chamam de "puta".

— Ei! Olha o preconceito, rapazinho — se zangou a moça, antes de arrematar. — Ninguém tem que julgar o outro pela roupa que veste.

— Você que sabe a impressão que pretende passar — se limitou a comentar Azael, dando de ombros.

Ao perceber o irmão ajeitando a mochila nas costas, Nicole o indagou:

— Vai pegar carona comigo ou irá de ônibus até a escola?

— Por que você veio como uma jovem de dezoito anos de idade e eu como um garoto de quinze? — resmungou Azael, enquanto fitava a carteira de habilitação da irmã em cima do tampo de granito.

— Por que sou mais responsável do que você. Agora me ajuda a encontrar a chave do carro.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora