Capítulo 3

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Como Cinthia previu, Nicole fora o centro das atenções no auditório do Sideral durante a aula de abertura do semestre.

Pelos cochichos que Renan conseguia captar com seus ouvidos humanos, as opiniões estavam divididas entre o encanto dos rapazes com os dotes físicos da irmã, o olhar de inveja de boa parte das moças e a perplexidade dos professores diante do modo displicente de Nicole, pernas esticadas sobre o assento da frente e um chiclete mascado que deslizava por sua boca aberta.

No palco, era nítido o desconforto de Solange Pilares com aquela cena de insubordinação protagonizada por Nicole, ainda mais pelo fato de colocar a apresentação das atividades pedagógicas programadas em segundo plano.

Renan não precisava ler mentes ou pressagiar destinos para saber que a atitude da irmã não sairia impune. Pior, tinha certeza que a ira da diretora sisuda acabaria por resvalar nele, de um jeito ou de outro.

Terminada a sessão, Renan teve dificuldades para desviar do séquito de admiradores cooptados por Nicole que se aglomeravam em torno da moça, enquanto arrastava a irmã pelos braços. Tinha que dar uma reprimenda nela.

A cena de um garoto de quinze anos a puxar a irmã mais velha pelos corredores rendia gargalhadas dos que se encontravam ao redor.

Desfilando um olhar lascivo no trajeto até o estacionamento, Nicole aproveitava para tirar sarro da situação.

— A chave — bradava um impaciente Renan à irmã, diante do veículo que os trouxeram ao colégio.

— Paciência! Você não sabe como é bolsa de mulher? Pronto...

Renan mal deu tempo para o destravamento das portas e já se enfiou no assento do carona.

— Esse beicinho aí é por causa da minha performance na aula inaugural?

— A única atitude sua digna de performance hoje foi a autossabotagem, Nicole. Agora arranca logo com esse carro.

— Calma, maninho...

— Calma?! Você não deve ter visto então a expressão de cólera da diretora Pilares.

— Estava de olho em coisas mais interessantes.

— E os rapazes, na sua calcinha cor de rosa à mostra.

— Hum...pelo visto não só "eles".

A piscadela que Nicole dirigiu a Renan diante da gafe dele o tirou do sério.

Depois de instantes de hesitação, o rapaz encarou novamente a irmã, que estava mais preocupada em "costurar" no trânsito. Tomou fôlego e finalmente a indagou:

— Sério. Acha mesmo que essa conduta opera a favor da nossa missão?

— Ah, qual é? Estou a menos de oitenta.

— Me refiro ao seu comportamento de modo geral.

— Que mal há em se divertir um pouco, enquanto se trabalha?

Quando Nicole abriu a janela para xingar mais um motorista que aparentemente a havia lhe cortado, Renan teve a certeza de que pouco adiantaria argumentar naquelas circunstâncias e preferiu se manter mudo até a entrada do condomínio onde moram.

Ao adentrar na residência, Nicole comentou com o irmão que iria descongelar uma lasanha para o almoço.

Decidido a ignorar a irmã para demonstrar seu descontentamento com a atitude dela, Renan ligou o console do videogame, acoplado ao amplo televisor da sala de estar.

Após deslizar pelas opções de jogos online, ele finalmente foi atraído por um título especial.

"Anjos vs. Demônios...Perfeito para ocasião. "

Durante as horas que seguia jogando em êxtase, Renan deixara de lado o prato servido por sua irmã, só pausando a batalha virtual onde manejava seu personagem com ambas as mãos para breves goles na garrafa de suco.

No momento derradeiro do desafio, porém, o rapaz sentiu um desconforto vindo da região pélvica, ao qual ainda não se acostumara.

"Droga! Vontade de urinar de novo. E logo na hora que estava dando uma sova no Demônio Supremo. "

Não querendo perder tempo, Renan resolveu usar o banheiro do térreo, mais próximo.

Aproveitando a porta entreaberta, o rapaz se embrenhou no toilete sem cerimônia. No instante em que estava prestes a usar o sanitário, percebeu que não estava sozinho. Nicole tomava banho.

— Pompas, Nicole! Custa trancar a porta?

Renan partiu aborrecido então para seu quarto. Havia perdido o clima para continuar o jogo.

Minutos depois, Nicole adentrava o quarto do irmão, enrolada apenas na toalha.

— Aborrecido, rapazinho?

— Vai lá se vestir, Nicole.

A moça estava disposta a ignorar o apelo do irmão e insistir naquele clima de afronta.

— Ora, há outros banheiros nesta residência. Por que resolveu entrar logo no que estava ocupado, comigo tomando banho?

— Eu não ouvi o som da ducha. Além do mais aquele é o único banheiro no térreo.

— Sei. Você, por acaso, seria um velho gagá com incontinência urinária...

— Não inverta a situação, mocinha. Você poderia muito vem ter tomado banho na sua suíte. Seria muito mais prático, não acha?

Nicole começou a acariciar os braços de Renan e depois o tórax do rapaz, que fica atônito com a audácia da irmã.

— Ei, isto não é permitido!

— Se você está se referindo a incesto, pode ficar com a consciência tranquila. Afinal, tecnicamente não somos irmãos de sangue mesmo.

— Não é só por isso.

— O que seria, Renan? Não consegue segurar seus impulsos humanos? Bem, você ainda pode usar seus poderes celestiais para me repelir...se quiser!

— Não irei descumprir a promessa que fiz antes dessa missão — bradou o rapaz em resposta, ao mesmo tempo em que se desvencilhava das carícias de Nicole.

— Posso continuar te atentando durante quarenta dias e quarenta noites.

Impassível, Renan encarou Nicole por alguns instantes. Não pretendia deixar o ser demoníaco travestido de garota humana tomar as rédeas do embate. Não desta vez.

— Não esperava mesmo uma convivência monótona com uma Criatura das Trevas. Aqui nesta mansão pelo menos é mais confortável do que o deserto.

— Seu estraga-prazeres — respondeu Nicole, aborrecida diante do sorriso de soberba de Renan.

— Só sei que essa sua atitude não colabora em nada para nossa missão, maninha.

— Mas me dá uma satisfação enorme ver sua cara de transtornado — sentenciou Nicole, enquanto saía do quarto do irmão, com a convicção de quem não havia se dado por vencida naquela discussão.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora