Entre o Céu, a Terra e o Inferno

Capítulo 40

Aquele dia iniciaria sua primeira semana de suspensão no colégio, circunstância em que imaginava encontrar a irmã, com seu desprezo às normas e convenções. Ao invés disto, justo ele fora tachado pela direção como "aluno-problema", embora Eduardo fizesse questão de salientar o fato de sua popularidade estar subindo entre os alunos.

Mesmo guiando o veículo, Nicole exprimia a apreensão com o estado emocional daquele que aprendera a chamar de "irmão".

— Você não desconfia desta súbita aproximação do pai do Arturo? Sei lá. Este convite para te treinar pode ser uma armadilha dele com o filho, depois da humilhação que Arturo sofreu na escola. Aliás, mais de uma vez...

Já Renan buscava transmitir serenidade, mesmo diante das circunstâncias adversas, em contraste à preocupação da irmã.

— Algo me diz que não, Nick. Além disso, tenho que ter mais fé na humanidade, não é mesmo? Afinal estamos aqui por eles.

Com o carro agora estacionado na frente da academia, Nicole desfivelou o cinto para o cabelo de Renan.

— Ei, está me despenteando!

— Ah, rapazinho...vem cá, para eu te dar um beijo.

O jovem a repreendeu com o olhar.

— Beijo de irmã. No rosto. Você sempre fazendo mau juízo de mim, né?!

No banco traseiro, uma voz enfim se manifestou:

— Os dois pombinhos terminaram aí?

— Sim. Irá ficar tudo bem contigo? — Renan se voltava à moça, fazendo uma leve careta por ter levado o beijo prometido por Nicole, que havia se aproveitado do segundo de distração dele.

— Já disse. Vou acertar os ponteiros com minha mãe. Ver no que vai dar.

Renan já se ejetava do veículo, quando emendou:

— Aproveita no caminho para demover sua amiga aqui desta ideia louca de capturar o Rasputin.

— Mas é inegável que ele está jogando. Buscando atrair a atenção de vocês. Isso não termina enquanto não soubermos o que esse maníaco pretende com os dois. Se ele realmente faz parte da tal seita de adoradores de demônios desgarrados que o Edu mencionou. Ou algo pior.

— Carla!

— Tá bem. Pode deixar. Se cuida, Ferris Bueller!

— Já sei. Outra referência de filme.

Carla fez um sinal afirmativo com a mão direita para o amigo, no instante em que Nicole arrancava com o veículo.

Após perder a silhueta amarela de vista, Renan partiu em direção ao prédio entalhado em metal e vidro, além de um grande painel na fachada, o qual estampava a imagem de Gerislândio Venceslau.

Contemplando ali a figura mítica de Tutuco, o rapaz se compadeceu, por um momento, de Arturo. Não devia ser fácil viver à sombra de um pai famoso. Ainda mais um pai que o havia negligenciado, até a comoção generalizada com a morte trágica de sua mãe.

Sem perder mais tempo, Renan tomou fôlego e subiu a escadaria lateral que dava acesso ao ringue de luta, ponto de encontro com o pai de Arturo.

Uma porta se abriu, assim que o rapaz pôs os pés pela soleira.

— Venha, meu jovem. Tomou seu café da manhã? Posso pedir a meu secretário que providencie algo.

— Bom dia, Senhor Venceslau. Não há necessidade. Fiz meu desjejum em casa.