Prólogo

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O Concílio Celestial tinha se encerrado há pouco.

Mesmo para uma entidade etérea, ficava difícil para Azael disfarçar a ansiedade pela decisão que estaria prestes a ser oficialmente anunciada pela Ordem dos Treze Arcanjos.

— Meus pêsames, colega. — O tom de escárnio que Astaroth lhe dirigiu ao passar, fazia Azael questionar o motivo pelo qual Deus permitia que um Potestade nutrisse sentimentos poucos nobres em sua essência. Pior, sem qualquer punição.

"Com minha sorte, periga o Todo-Poderoso ainda promovê-lo ao posto de Querubim. Quiçá, Serafim", especulava o anjo ante o seu desafeto, colocando em xeque a sabedoria divina nos desígnios Dele.

Pouco se importava com a onisciência do Chefe Supremo. Ter os pensamentos sondados era a menor de suas preocupações.

Naquele momento, apenas um detalhe perturbava mais Azael do que o sorriso cínico de Astaroth. O olhar astuto de Uzá enquanto segredava algo com Azrael, chefe de sua ordem e um dos treze arcanjos do Concílio.

"Maldito demônio! Na certa, deve estar a se regozijar com seu mestre pela pena que me foi infligida. Ele, pelo visto, escapou do castigo que merecia por toda a confusão criada. "

Uma abrupta voz tirou Azael de suas divagações.

— Não importa o que aconteça, amigo. Não confie em Uzá. Ele acabará traindo a missão.

— Missão? Como assim, Damabiah?

— Melhor aguardar que seu mestre comente a respeito.

"Pelo visto, sou o único a desconhecer da minha própria condenação", concluía Azael, enquanto via Damabiah, um dos poucos anjos que permaneceram ao seu lado depois do incidente na Mansão dos Mortos, se afastando.

Ao perceber Uzá vindo sorrateiro em sua direção, Azael sentiu sua aura vibrar em descompasso, até que o demônio, já a sua frente, lhe estendeu a mão.

— Olá, parceiro. Parece que agora teremos que deixar de lado esse lance de stalker entre a gente.

— O que você quer dizer com isto, criatura infernal?

— Ih, melhor se acostumando com termos assim, ser angelical. Você irá precisar...Aliás, ambos.

Azael mal teve tempo de se enfurecer com a audácia do rival. Cassiel estava ao seu lado.

— Veio comunicar minha punição, Mestre?

O Arcanjo manteve a postura impassível, parecendo ignorar a ironia estampada na fala do pupilo.

— Não entenda como um castigo, Azael. Seria, na realidade, uma missão de cooperação mútua.

— Na mesma equipe daquele Ser das Trevas ali? — disse Azael, apontando para Uzá — Esquece. Prefiro outra punição.

— Azael, me escute. Não havia alternativa diante daquela sua atitude intempestiva no Pôquer das Almas.

— "Minha atitude intempestiva"?! E quanto a Uzá, que ludibriou o Crupiê e me provocou durante todo o tempo da partida?

— Uzá apenas agiu conforme a natureza dele. Por outro lado, você, como anjo, é que não deveria ter entrado nas provocações de um Ser das Trevas. Durante muitas eras humanas, você tem sido um de meus melhores aprendizes, Azael. Certamente, o mais promissor e dedicado.

Por trás daquele elogio, o anjo-discípulo sabia que aquele discurso viria acompanhado de algum sermão, o que de fato aconteceu, com a retomada da fala por Cassiel:

— Porém, a impetuosidade latente em ti opera contra os propósitos superiores. Antes que duvide de minha lealdade, saiba que durante o Concílio intercedi a seu favor e sugeri a decisão que acabou sendo acolhida pelos outros arcanjos. Era isso, ou você perderia sua consciência por toda a eternidade.

— Talvez eu preferisse me tornar uma estátua de mármore com uma harpa nas mãos... — Sem aguardar uma reação de seu mentor, Azael arrematou — Como será meu calvário, afinal?

Cassiel não disfarçou o sorriso de satisfação diante da questão levantada pelo pupilo.

— Bom perceber sua disposição em colaborar. — A expressão de Azael diante da declaração do mestre nada tinha de senso de cooperação, mas sim de resignação — Não recebi a alcunha de "Arcanjo Observador" à toa. E algo que venho notando entre os humanos nos últimos tempos é a alta taxa de suicídios. Mas até do que em outras eras. Você deve se recordar de minhas aulas sobre os círculos espirituais, mais precisamente quanto ao destino das pessoas que tiram a própria vida.

— De que elas acabam conduzidas ao Purgatório para o tormento eterno? Claro. O Senhor deve se recordar de minhas contestações a respeito.

— Sem dúvida, Azael. Pois bem, nós, do Concílio, decidimos que você irá atuar junto com um parceiro para mitigarmos esse problema, que vem afetando tanto o Céu quanto o Inferno, além de colocar em risco a própria existência humana na Terra.

"Ah, nada como uma crise em escala global para provocar uma aliança histórica entre grupos rivais...", divagava Azael.

— E qual anjo será meu colega de empreitada, Mestre?

— Quem disse que será um Anjo? — retrucou Cassiel, enquanto denunciava Uzá com um olhar.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora