Nicole dirigia pela autoestrada bem iluminada que ligava as cidades de Excelso e Barueri. No interior do veículo, Carla e Cínthia vinham se evitando no banco traseiro, enquanto Jordana contemplava o nada.
Disposta a tirar o grupo da apatia, Nicole teve um lampejo:
— Vamos brincar de um jogo?
— Acho que já passamos da idade dessas brincadeiras infantis.
— Ah, Cinthia. Pode ser divertido — Jordana tentava convencer a amiga. — Qual tipo de jogo, Nick?
Vendo de relance a ansiedade estampada no rosto da colega sentada ao seu lado, Nicole respondeu:
— Uma de nós escolhe uma questão e as outras tem que responder a respeito.
— Eu topo — se manifestou Carla, já pressentindo a intenção por trás daquela proposta.
— Eu também — dizia Jordana, em um misto de apreensão e entusiasmo.
Sem alternativa, Cínthia balançou as mãos, para indicar sua anuência em participar do jogo, ainda que fizesse questão de demonstrar pouco caso diante da circunstância.
— E quem começa? — provocava Carla.
— Euzinha, claro — Nicole apontou, antes que houvesse qualquer oposição — E o tema é "um trauma".
— A separação dos meus pais.
A revelação abrupta de Cínthia, em um ato de rara sinceridade por parte da moça, pegou Nicole de surpresa.
Já Jordana recordava de ter lido algo a respeito em um site de fofocas sobre celebridades, logo quando Cínthia transferiu-se para o Sideral. Foi aquilo que a fez se sensibilizar com a então caloura e a impeliu a aproximar-se dela. Um ponto em comum, que a colega nunca admitiu abertamente. Ao menos, não até agora.
Nicole decidiu encerrar o breve silêncio que se instaurou, após observar Cínthia pelo espelho interno:
— Deve ter sido complicado, né? Presenciando a briga dos pais para ver quem administraria a carreira precoce da filha. Contrato, cachês...
Até mesmo Carla, em um morder de lábios, se mostrou penalizada com a dura sentença que Nicole havia proferido à Cínthia.
— Não quero mais falar disso, tá bem? Prefiro discutir o assunto com minha terapeuta, que é profissional formada e qualificada — respondeu a patricinha, afundando no assento.
— E você, Nick? — Jordana desafiou a amiga.
— Meus traumas? Por onde começar...
— A origem da discórdia com seu irmão, por exemplo.
Agora era a vez de Nicole se sentir incomodada com os efeitos colaterais de sua estratégia. Caso quisesse continuar sondando as vulnerabilidades das colegas, contudo, não poderia retroceder naquele momento.
— Tudo aconteceu no Manoir des Morts. 4
— Mansão dos mortos?
"Droga! Me esqueci que Jordana sabe francês", Nicole praguejava contra si, diante da própria mancada.
Após ponderar a respeito, a moça enfim retomou o discurso, sem tirar os olhos da direção:
— Era uma casa de espetáculos lá nos Alpes, de estilo irreverente.
— E aceitavam menores de idade lá? — questionou Cínthia, franzindo o cenho.
— O que o dinheiro não compra, né? — Nicole rebateu, já complementando. — Bem, num dado dia, estávamos eu e ele numa disputa acirrada...
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Entre o Céu, a Terra e o Inferno
FantasiaApós protagonizarem um incidente astral, o anjo Azael e o demônio Uzá são rebaixados de posto e designados por seus superiores para uma missão de cooperação mútua, para lidarem com o aumento vertiginoso de casos de suicídio entre os humanos. O probl...