Capítulo 37

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Eduardo acorrentava sua bicicleta em um poste metálico junto ao estacionamento do templo de sua mãe, quando uma voz conhecida o impelia a encarar a realidade mais uma vez.

— Se eu fo-fosse vo-você não pre-prenderia sua bi-bike aí.

O rapaz esboçou um sorriso, antes de responder a Hugo:

— E quem levaria uma magrela caindo aos pedaços? Ainda mais aqui em Excelso?

— Me refe-feria ao ri-risco de choque e-elétri-elétrico. Ma-mas pensando be-bem, você co-corre re-realmente mais ri-risco de téta-tétano.

— Ah...nem tanto, Hugo. Só tenho ela desde que me mudei para cá. Lembra? — Eduardo comentou, logo mudando o tom da conversa. — Achei que viria de carona com o Arturo.

— Bri-brigamos.

— Por causa da atuação dele na partida final do campeonato? — arriscou Eduardo, logo desconfiando que a teoria de Renan sobre o interesse de Arturo em Nicole pudesse ser verdade.

— Discor-cordei das a-ati-atitude dele dos ú-últimos di-dias.

— Você está querendo dizer da caçada que ele empreendeu àquela menina de rua por toda Excelso, acompanhado de uns brucutus? Ou do quebra-pau dele com o Renan no vestiário do colégio?

O jovem atleta então retraiu os lábios. Há tempos, os dois rapazes não compartilhavam as agruras da amizade de outrora. "Diferenças irreconciliáveis", diria um adulto.

Já Eduardo lembrou que seu colega havia chegado a paquerar Saletti por um tempo, antes dele assumir o breve namoro com Cínthia. Talvez ali residisse a causa da expressão de pesar de Hugo, ele especulou.

Assim, ambos partiram em silêncio à entrada da igreja naquela gélida manhã de domingo.

Dentro da catedral, os dois se separavam. Mais à frente, o motivo: Nicole, de pé junto com Renan e Carla.

— Olá, Edu. Pensei que não fosse estar presente.

— E por que não estaria, Carla?

— Ah, por nada — respondeu a moça, já se arrependendo de ter tocado no assunto com o amigo sensitivo.

Na sequência, Renan cumprimentou o colega com um bom dia protocolar. Estava nítido o desconforto dele, diante das circunstâncias.

Ao mesmo tempo, Nicole exibia uma expressão contida, na tentativa de sufocar os tormentos mais íntimos, a ponto de mal perceber a aproximação do amigo.

— Pensei que você não pudesse entrar em uma igreja — Eduardo murmurou para a moça.

— E por que não deveria? Afinal, há pessoas aqui presentes muito piores que eu...A propósito, você não estava aqui quando chegamos. Não veio com sua mãe?

Eduardo reagiu de imediato:

— Não mesmo. Suspeito que ela tenha madrugado aqui por causa deste acontecimento.

— Como assim? — Nicole fingia interesse.

— Bem, Dona Guta ficou possessa quando soube que o Senhor Ivichenko exigiu um evento ecumênico para o funeral da filha, sob a condução de um metropolita ortodoxo.

— Agora entendi a cara de bronca dela quando a cumprimentei. Mas por que ela simplesmente não rejeitou a ideia, Edu?

— Ah, Nick...digamos que as contribuições de Isabel para a igreja dobram à vontade da minha mãe.

Ao ouvir o nome de Isabel Ivichenko, Nicole se deteve na imagem da mulher postada no púlpito. O vestido que cintilava a renda negra era incapaz de disfarçar o olhar vago do luto.

Entre o Céu, a Terra e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora