Bárbara Terça, 17 de Janeiro, 11:58

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- Cara, na boa, não acredito que o tio Zé não nos adiantou o resultado da prova de admissão – Pérola diz enquanto se joga em cima da minha cama, claramente frustrada

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- Cara, na boa, não acredito que o tio Zé não nos adiantou o resultado da prova de admissão – Pérola diz enquanto se joga em cima da minha cama, claramente frustrada.

- Até parece que você não conhece meu pai. A ética dele ultrapassa até mesmo o seu sentimentalismo paternal – digo largando a revista que estava lendo em cima da minha escrivaninha – Eu tenho implorado para que ele me diga se fomos aprovadas ou não desde o momento em que entregamos a prova, mas ele só responde a mesma coisa desde então: "Vocês vão saber do resultado no mesmo dia em que os outros candidatos ficarão sabendo. Aguardem o email do colégio no dia dezessete de janeiro".

- Eu estou com dor de barriga de tanto nervoso! – Marina abraça os joelhos e recosta a cabeça na cabeceira da minha cama – A que horas sai esse bendito resultado?

- Ele disse que na parte da tarde.

- Acho que até lá eu já explodi. – Pérola arremessa minha almofada em formato de donnuts na parede.

- Calma gente, não falta muito tempo, vamos tentar pensar em outra coisa enquanto isso. Já sei – levanto de sopetão e acabo empurrando minha cadeira com rodinhas que desliza até a parede. Vou até meu armário e pego uma caixa no fundo de uma gaveta e me viro para encarar as meninas – Vamos cantar!

Elas me olham com desânimo, mas não me intimido. Instalo o antigo videokê da minha mãe na televisão do meu quarto e começo a procurar pelos microfones dentro do meu armário.

- Vamos lá Marina. Eu quero ouvir aquela música da Marina Lima que você cantou naquela vez, "Virgem" – entrego-lhe um dos microfones e ela esboça um sorriso.

Apesar de ser apaixonada por jazz e ter alma – e o figurino, diga-se de passagem – de rockeira, ela ama essa música porque sua mãe era fã da Marina Lima e por isso deu o nome à filha. Eu sabia que a convenceria. Ela levanta da cama e se posiciona de frente para a TV.

- Solta o som Babi.

A música começa e Marina se transforma. Não é a primeira vez que presencio isso, toda vez que ela canta eu vejo esse seu outro lado, confiante, livre. É incrível. Normalmente ela é tão contida, chega até a ser um pouco tímida.

- Arrasou amiga! – Pérola diz com empolgação quando a música termina – Sempre esqueço que você tem essa voz linda. Já pensou em fazer aulas de canto, em ser cantora, sei lá?

- Ah, não pira! Não tem nada a ver, eu quero é ser chef de cozinha, vocês sabem, fazer faculdade de Gastronomia. – Marina despista.

- Por falar em cozinhar muito bem, – meu pai abre a porta do quarto sem bater e nos surpreende – o almoço da melhor chef que eu conheço, minha linda esposa, está na mesa. Vamos meninas?

- Não sei se consigo comer tio Zé, estou enjoada de tanto nervoso.

- Calma Marininha, vamos sentar na mesa que o cheirinho do yakisoba da Flora vai abrir seu apetite.

Meu pai vira as costas e Pérola me olha com cara de nojo. Minha mãe não tem a melhor fama como cozinheira entre minhas amigas desde o desastre da feijoada vegetariana com tofu que elas foram obrigadas a provar e detestaram.

- Relaxa – digo baixinho, para que só as meninas ouçam, enquanto seguimos meu pai pelo corredor em direção à sala de jantar – a fase vegana da minha mãe passou faz séculos. Esse yakisoba é de fato muito bom.

Visivelmente aliviadas, as meninas sentam-se ao meu lado na mesa. Rico e Marcelinho chegam em seguida.

- Ih as três patetas vão almoçar com a gente hoje? Que milagre! – Marcelinho diz sentando na minha frente.

- Milagre por que moleque? – pergunto sem paciência já sabendo que vem uma gracinha pela frente.

-Ué, porque normalmente vocês passam os dias de sol na praia ou na piscina do prédio tentando deixar de serem branquelas azedas. Há há há.

- Há há há, que engraçado. – digo sem humor nenhum e dou um pedala na cabeça de Marcelinho.

- Ai! Olha ela pai. – ele reclama.

- Pare com isso minha filha.

- Foi ele quem começou. Você não ouviu o que ele disse?

- Ouvimos perfeitamente Babi – minha mãe diz vindo da cozinha com a gigantesca panela woki vermelha dela fumegando e colocando-a no centro da mesa - Só não se esqueça de que ele é quatro anos mais novo do que você, dê um desconto.

- Dou, dou um desconto sim, porque além de burro ele é racista. Qual é o problema de ser branquela?

- Problema nenhum, vocês é que ficam querendo mudar de cor torrando no sol o dia todo até descascarem feito cobras trocando a pele. Há há há.

- Boa moleque! – Rico levanta a mão e bate na palma para um Hi – Five em Marcelinho - Tá ficando esperto hein!

- Pra seu governo pirralho, a culpa é do buraco da camada de ozônio que está tão grande que nem meu protetor solar fator sessenta tem dado conta do recado e foi por causa disso que eu fiquei descascando no Natal, mas é claro que você não sabe nada sobre isso por que, como eu já disse, você é um burro. E quanto a você Rico? Excelente exemplo que você está dando. Não é à toa que ele está insuportável assim, está imitando o irmão mais velho.

Rico aperta os olhos e abre a boca para me dar alguma resposta mal criada, mas meu pai o interrompe.

- Êpa, êpa, êpa! Vamos parando com essas ofensas gratuitas pessoal. O que é que é isso? Poxa, estamos reunidos aqui em família, isso é tão bonito, gente. Nós temos que celebrar a vida, a família! – no meio do discurso paz e amor do meu pai, os celulares da Pérola, da Marina e o meu bipam ao mesmo tempo. Nos entreolhamos nervosas e a mesa finalmente faz silêncio.

Nós três pegamos os aparelhos de cima da mesa ao mesmo tempo e, como se tivéssemos ensaiado, digitamos nossas senhas em sincronia.

Abro no meu aplicativo de email e clico no que acabara de chegar na minha caixa de entrada enviado pelo colégio Ouro Preto. Leio o conteúdo da mensagem e imediatamente olho para meu pai.

- ... E comemorar a aprovação das meninas! – meu pai finaliza o que estava dizendo anteriormente com um sorriso bobo no rosto – Eu estou muito orgulhoso de vocês meninas! Parabéns. Vocês são as mais novas calouras do colégio Ouro Preto!

Nós três explodimos ao mesmo tempo. Rimos, pulamos, nos abraçamos. Um sentimento de alívio e dever cumprido me invade. Sei que minhas amigas estão sentindo o mesmo.

Ufa! Agora podemos finalmente curtir as férias como se deve.

O DELÍRIO DA NOVIDADEOnde histórias criam vida. Descubra agora