Meu namorado é um anjo.

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Will narrando
Eu notei que ele começou a mudar antes de todo mundo. No começo, quando estávamos com a questão dos três dias em andamento, Nico era claramente ranzinza, azedo, grosso, etc. Mas, se eu bem sabia, aquilo não passava de um muro, que ele inconscientemente erguia ao próprio redor para proteger o que restava de si mesmo. Eu sei que não restava muita coisa. Nem eu nem ninguém poderia pedir que ele fosse alegre, otimista e saudável considerando tudo o que ele passou. Pelo menos, não logo depois de ele conseguir alguma estabilidade na própria vida. Eu estava disposto a ir bem devagar para curar aquele coração e aquela alma. Comecei monologando com ele sobre coisas cotidianas do acampamento e mostrando besteirolas pra ele. Eu podia ver o fascínio em seus olhos simplesmente ao pegar um mangá em mãos. Mostrei para ele filmes, livros e outras coisas sobre cultura atual. Contei sobre outras pessoas do acampamento que gostavam de coisas assim também. Ele ficou viciado em livros. Em um mês, ele leu cerca de 40 livros, sendo que eu levo uns dois meses pra terminar um livro pequeno. Nico devorou toda a coleção de Instrumentos Mortais, Harry Potter, Diário de um Banana, Querido Diário Otário, Hora do Espanto, O diário de Anne Frank, Depois de Auschwitz, Sobrevivendo entre Lobos, todos os livros, de qualquer natureza, ele lia rápida e precisamente. Não demorou muito para que Nico fosse um completo CDF. Quando finalmente consegui fazer ele dar um tempo de Pequeno Príncipe e A Canção de Aquiles, pensei que pudesse ensinar ele a atirar de arco e flecha. Mas Nico já era um profissional na área, já que tinha herdado o arco da irmã Bianca. Sua única herança além de um gorro verde. Aliás, Nico era um excelente caçador. Não me pergunte como, mas ele tinha visão noturna, os sentidos eram 20 vezes mais aguçados quando sob efeito da adrenalina, ele conseguia fazer um restreamento muito bom, armava barracas em questão de segundos e corria feito o vento. Nico era basicamente uma versão masculina das Caçadoras. Tanto nas habilidades quanto na personalidade. Recluso, maduro, bastante sábio pra um nanico de 14 anos, conseguia controlar o próprio humor como ninguém. E tinha um puta respeito por todo mundo.
Enfim, eu parti para a parte mais complicada da aproximação. Eu confiei a ele tudo o que pude: meu passado, meus segredos, meus erros, minhas dores e meus atuais problemas. Deixei ele ver o pior em mim e realmente me arrependi por um momento, achando que tinha jogado várias bombas no colo de uma pessoa já debilitada. Eu comecei a ter paranóias em relação a isso, e não consegui mais parar. Entrei em pânico e corri para a floresta, me perdendo completamente entre as árvores. Meu surto foi tão forte que cheguei a ficar feliz quando escureceu e eu percebi que havia deixado as barreiras protetoras do acampamento, e já estava até fora da propriedade. Sentei e chorei alto. Eu quis morrer e nem entendia mais porque queria isso. Todas as vidas que escaparam por entre meus dedos, todas as pessoas que morreram em minhas mãos, todo o sangue com o qual eu já me sujei, todos os meus fantasmas e demônios me assombrando e eu não conseguia afastá-los. Me considerei morto e deitei no chão. Eu sabia que tinha ansiedade, que eu era psicologicamente doente, mas eu não tinha ideia da extensão disso. Me achei fraco por não conseguir superar meus problemas igual ao Nico. Pensar em Nico me fez chorar mais ainda. Eu queria ele. Queria saber como era dar um abraço nele, ou como era a textura de seus lábios e de sua língua, ou como era ser o responsável pelos sorrisos mais bonitos que ele poderia dar. Mas eu nunca saberia porque não era eu o dono daquele coração.
Mas de repente, as coisas mudaram. Um par de braços fortes e magros me abraçou, um cheiro familiar preencheu minhas narinas, e uma voz grave começou a falar comigo. Meus sentidos começaram a clarear e ouvi Nico perguntar se eu estava o ouvindo. Fiz que sim sem conseguir falar. Eu não tinha a menor ideia, mas naquele momento foi que nosso laço se fortificou num nível que nem Zeus poderia quebrar. Nico soube exatamente o que dizer e o que fazer para me acalmar. Ele manteve muito contato físico comigo e agradeci imensamente por isso, mesmo sabendo que ele não gostava disso. Ele falou verdades e ao mesmo tempo, disse tudo o que eu queria ouvir. Era incrível como ele sabia usar filtros. Em outro caso, talvez eu houvesse cochilado nos braços dele, mas eu não conseguia dormir. Me dei conta de uma dor imensa no abdômen, mas eu não sabia o que era. Eu não queria cair na subconciência outra vez, sempre usei sedativos para dormir e estava cansado disso. Eu tava cansado. Isso resumia muita coisa. Eu literalmente inventei um gatilho pra mim mesmo. Nico me acomodou em cima do lombo de BlackJack, e partimos voando para o acampamento. Eu pedi desculpas mas Nico disse que nada em mim precisava ser desculpado. Ele cuidou de mim o tempo todinho. Depois me levou para o chalé 13, pra ficar com ele. Eu demorei até focar a visão, mas quando consegui vi que Nico estava diferente. A pele parecia mais escura e corada, os olhos atentos porém calmos, a postura relaxada e confortável. Ele disse para eu tirar a camisa e deitar de costas na cama dele. Eu não entendi mas obedeci. Assim que o fiz, Nico ficou por trás de mim e fez massagem nas minhas costas. Sentindo o cheiro dele, o calor dele tão perto de mim e a segurança que ele me trazia, eu tive o primeiro sono tranquilo do qual consigo recordar. Eu quase não acreditei quando acordei na cama dele, com o próprio segurando minha mão ali do lado. Eu dormi por dois dias e meio, estava precisando muito ir no banheiro e estava morrendo de fome e sede. Aliás, eu era hipócrita por mandar ele comer, pois minha alimentação se baseava praticamente só em barras de cereal e leite em pó. Quando se está sob constante estresse, você quase não come. Nico havia pego uma muda de roupa, minha escova de dentes e minha toalha no chalé 7. Disse para eu usar o banheiro e reforçou umas quinhentas vezes que eu tinha que ter cuidado. Ele chegou a me mandar tomar banho sentado em uma cadeira de metal que ele colocou no banheiro do chalé. E eu fui obrigado a obedecer, já que mulas costumam encarnar no corpo de filhos do submundo. Depois de arrumado, eu não consegui levantar. Me senti ridículo. Não sei como nem porque, mas ele trouxe uma cadeira de rodas pra mim, e disse que eu não iria andar pelos próximos dois dias. Acho que ele está mais que certo. Nico trouxe também uma comida que ele mesmo fez. Devorei aquilo de um jeito que nem eu acreditei por um tempo. Nico esteve todo aquele tempo de olho em mim. Depois de comer, eu fiquei meio mortificado. Tinha surtado e nem sei direito o que aconteceu, ainda mais porque eu tinha uma fissura enorme na barriga, na qual alguém fez pontos, que eu nem sabia como havia parado lá. Nico contou o que aconteceu. Uma empousa me atacou, mas bem na hora ele chegou. Por ser gay, Nico é imune ao ataque delas.
Depois desse vexame, todo mundo demonstrou compaixão por mim, todos querendo saber como eu estava, se estava me cuidando, etc. Não eram preocupações forçadas, eram reais. O que me incomodava é que, mesmo vendo Nico ali comigo o tempo todo, tinha quem me perguntasse se eu queria companhia. Ele parecia desconfortável 100% do tempo, e eu entendi porque: primeiro porque nem todo mundo considerava a presença dele (na real, eram poucas pessoas que consideravam), segundo porque ninguém jamais havia agido assim com ele. Nunca perguntavam se ele estava bem ou se precisava de companhia. Concebiam que agora ele era solitário e que estava bem assim. Me senti mal e tentei a todo custo dar créditos ao Nico, mas parece que não queriam acreditar no que eu dizia dele.

Depois de um tempo eu melhorei, mas eu solicitava constantemente a presença dele. Queria Nico sempre que possível e sequestrei ele inúmeras vezes pra dormir comigo. O acampamento estranhou esse apego por um tempo mas depois se acostumaram. Nico também se acostumou, mas demorou mais. Esse apego virou um namoro rapidinho. E agora que Nico era oficialmente meu namorado, as pessoas começaram a se aproximar dele voluntariamente. Eu não gostei de precisar ser um arauto pra vida social dele, mas não teve muito jeito. Virou mexeu, o acampamento amava Nico de um jeito que até Eros tem inveja (chupa seu FDP!!). E ele retribuia esse amor de um jeito super fofo e único. Foi a partir daí que minha suspeita de que tinha algo mudando rapidamente nele foi comprovada. A saúde e alegria dele estavam de volta, ele parecia um adulto. Era mais maduro, mais responsável e mais sábio que quase qualquer adulto que eu conhecia (exceto Quíron).

Um dia aconteceu uma merda. O pinheiro de Thalia estava morrendo. Ninguém sabia porque e nem sabiam se tinha cura. Todo mundo tentou salvar, até os deuses. Mas não teve jeito. O pinheiro morreu e o acampamento ficou bastante vulnerável. Os filhos de Hécate e de Hipnos conseguiram somar alguns encantos para proteger o Camp por hora. Todo mundo ficou pra baixo. A Thalia em si não sentiu nada físico ou espiritual. Mas Nico sentiu. A alma dele ficou inquieta e geral sentiu isso também. Mas só eu dei atenção a esse pequeno detalhe.

W:- bebê, vêm, tá ficando tarde.

N:- Will... Eu não quero sair daqui.

W:- quer que eu fique de sentinela?

N:- faz isso por mim?

W:- é claro que sim lindo.

Nico agradeceu imensamente e se acomodou nas raízes do tronco falecido. Fiquei um pouco triste por ele. Ok, Nico é até vegano e se importa com a natureza mais do que com a própria vida (não faça piadas sobre ele parecer um sátiro, tanto os sátiros quanto ele próprio se ofendem), mas passar um tempo com uma árvore morta só por luto? Isso já é demais até pra ele.

Passei a noite perambulando ao redor da árvore. Mas isso até o brilho começar. Não era a luz do sol, era uma luz multicolorida. Vinha do pé do Pinheiro, bem onde estava... Meus deuses, o que estava acontecendo?! Corri para onde Nico estava e também de onde vinha o brilho. Era ele quem estava brilhando! Mas não só isso. A forma dele começou a mudar. Todos os descuidos estéticos que ele tinha por ser um guerreiro, toda a palidez da pele, tudo que não era saudável em sua aparência ou em sua saúde desapareceu, enquanto o mesmo acontecia com a árvore. Ao redor dele, eu podia ver todo o campo Elíseo ao vivo em primeira mão. Eu não sei como explicar mas a sensação foi acalentadora, meiga, dócil. Uma paz inimaginável me invadiu. Olhei para o meu namorado de novo e vi algo que me surpreendeu, mas que não deixava de ter sentido. Um enorme par de asas crescia e despontava das costas de Nico. As asas ondulavam em cores arco-íris e eram exatamente angelicais. Eu não conseguia medir a envergadura no olho, mas eram, tipo, maiores que as asas de um dragão. Tão grandes que se esparramavam ao redor dele, esticadas, cobrindo as raízes, agora bem maiores, do Pinheiro recém ressucitado. Me aproximei dele, que ainda dormia como se não houvesse acontecido nada. Toquei em uma das asas, eram tão macias quanto veludo. Beijei sua testa e continuei a vigília, dessa vez ao lado dele. Nico levou um susto ao ver que possuía um enorme par de asas nas costas, que por acaso, não pesavam nadinha. Aliás, não só isso, mas também havia algo em sua cabeça. Um arco feito de pura luz circundava sua cabeça. Uma auréola. Se ele já parecia um anjo antes, imagina agora...

***

Quíron explicou o que aconteceu. O nome do que Nico estava passando era fase Elíseos, mas não era algo temporário. Uma vez amado, Nico iria permanecer com aquela aparência e com aquelas asas, para sempre. Quer dizer, a aparência mudaria por conta do crescimento, mas ele iria permanecer gato e gostoso sem limites. Onde já se viu ser gato e gostoso sem limites aos plenos 15 anos?! Enfim, aquilo não era frequente, aliás era algo raro, e era a primeira vez que acontecia em tamanha intensidade. Era apenas para os filhos de Hades mais felizes e amados. Como crias do submundo eram seres naturalmente justos, eles partilhavam aquilo que recebiam, porém, com o múltiplo 15 do poder. Ou seja, agora meu namorado era um pedaço real do paraíso. Apesar de que, pra mim, ele sempre foi um paraíso particular.

Foi mal se tiver erros e cagadas, é q eu não li O Mar de Monstros 😅. Até.

SOLANGELO NOSSO DE CADA DIA!!Onde histórias criam vida. Descubra agora