Aviso de gatilho: família abusiva, abuso físico e psicológico.
Nico narrando
Acho que eu sempre soube. Claro, nós sempre sabemos. Está no nosso coração, no nosso corpo, na nossa alma, em tudo aquilo que nos faz vivos. Mas o medo imposto sobre nós nos impede de sermos quem somos por natureza, e tentamos encher nós mesmos com um silicone emocional, que se não for tirado de vez em quando, estoura, e se não for tratado, nos mata.Resumindo: eu sou um cara gay numa família extremamente conservadora, homofóbica, racista e misógina no geral. Graças a tudo o que é sagrado, eu sou adotado.
Minha mãe era uma adolescente quando eu nasci, e teve muitas dificuldades. Ela passou por coisas demais, e um dia, quando voltava para casa, sofreu uma violência sexual e contraiu AIDS daí. Ela não tinha dinheiro para o tratamento, porque o pouco que conseguia, gastava no meu bem estar. Por isso, ela me colocou num orfanato pouco antes de morrer. Eu tenho apenas uma foto da mulher linda e jovem que era minha mãe, e que eu tenho certeza que teria me acolhido de braços abertos mesmo sendo gay. Ela me amava e provou isso em cada pequeno momento que teve comigo, mesmo que eu me recorde tão pouco.Mas agora a questão: por que eu fui adotado?
Bom, família conservadora que tinha apenas filhas mulheres e queria um "macho" pra carregar o sobrenome. Todas as minhas irmãs adotivas casaram forçadas assim que saíram do ensino médio, e minha madrasta (porque não vou conseguir jamais chamar ela de mãe) está de cadeira de rodas de tanto parir filhas. Meu padrasto batia nela antes de ela estar de cadeira de rodas. Agora eu cuido dela, faço as tarefas domésticas e apanho do padrasto sempre que pareço viado demais. Por essas surras, eu me inscrevi em um curso de luta da escola e disse que era pra "virar macho de verdade", e com a ignorância do babaca, consegui ficar de boas.O problema é: eu realmente achava que era errado ser gay e tals, então eu era homofóbico, mesmo sem querer. Minhas notas eram sempre um lixo, eu sempre pegava recuperação e não conseguia aprender de jeito nenhum. Eu mal sabia calcular direito, e com meu TDAH, ficava pior ainda. Então eu levava surra sempre. Sempre. Todo dia, umas duas vezes. E como se isso não fosse o suficiente, eu ainda sofria bulliyng na escola, por ser burro, idiota e molenga. Mas entenda: eu nunca pegava no pé dos gays assumidos da escola. Eu tinha problemas demais, não tinha tempo e nem paciência pra criar problemas para os outros. Então eu ficava na minha, sozinho. E os valentões adoram implicar com quem não tem panelinha. Quando eles decidiam que queriam me atormentar ao cubo, eles se juntavam e me batiam atrás da escola. E quando eu voltava pra casa machucado, o padrasto me espancava mais porque eu devia ser capaz de enfrentar tudo sozinho e sair ileso.
A madrasta era a única que não era tão ruim assim. Claro, ela ainda fazia julgamentos desnecessários, mas ela não me obrigava a nada e me ajudava com meus machucados. Era um consolo.
Quando eu queria fugir, eu ia até a escola abandonada no final da rua, que todo mundo tinha medo, e ficava por lá. Andava pelas salas, pegava materiais esquecidos, lia os livros abandonados na biblioteca e cuidava dela, fazia de lá meu refúgio particular, aproveitando algumas vassouras esquecidas no almoxarifado para varrer e tirar o pó, deixando limpo pra passar a noite lá. Eu não conseguia dormir em casa, era perturbador e tenebroso, pois o padrasto bebia à noite e as memórias do dia martelavam na minha mente. Então sim, por mais que parecesse um lugar mal assombrado, era mais aconchegante do que minha própria casa. Eu botava o despertador bem cedo pra acordar e voltar antes que percebessem que eu tinha saído. Isso e a madrasta encobria minhas fugas caso precisasse.Bom, deu pra entender que minha vida é uma merda, né? Pois bem, eu agradeceria alguma mudança, e ela veio na forma de um loiro de olhos azuis muito gentil e bonito. Esse cara, William Andrew Solace, chegou ali pelo começo do ano, sendo meu colega em matemática, física, linguagens e educação física. O único lugar disponível era do meu lado, então obviamente foi ali que ele se instalou, com seus vários materiais coloridos. Eu só tinha materiais pretos, alguns azuis no máximo, porque cor também era coisa de viado e mulherzinha. Ele também não se dava bem nas matérias onde era meu colega, mas nas outras ele era bom. Apesar de não se dar bem nessas matérias, ele se esforçava pra me ajudar também. Will começou a andar comigo no recreio, e vendo que eu não estava mais sozinho, o pessoal do bulliyng diminuiu a frequência com a qual me incomodavam. Ele vinha comigo no fim da aula também e gostava de tagarelar pra mim. Eu adorava a companhia dele, porque era a primeira pessoa que não me machucava de nenhuma forma. Os professores criticavam minhas notas baixas, meus colegas criticavam e batiam em mim só por ser eu. O padrasto queria que eu fosse másculo, então me afofava na porrada pra ver se eu "tomava jeito", a madrasta me julgava, do mesmo jeito que o pastor da igreja. Mas Will gostava de mim pelo que eu era, mesmo sem saber direito quem eu era. Eu mesmo não sabia muito bem.
Quando eu fui pegando confiança com o Will, decidi que precisava desabafar sobre a merda de vida que eu tinha. Mas eu tinha medo e não sabia como. Então eu desenvolvi um método meio estranho, mas conveniente: eu mandava bilhetes ao Will, contando pedaços da minha vida. Eles foram assim:
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SOLANGELO NOSSO DE CADA DIA!!
FanfictionOi tudo bem? Pois é, meu povo, me vem na cabeça muita ideia pra solangelo, mas eu nunca consigo concluir uma long fic (acho que é assim que se chama, não lembro kkkk), então vou postar as coisas de solangelo que me vem na cabeça aqui, pegando empres...