Capitulo 29

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Segui o conselho de Liam. Deixei de medir o tempo: os segundos, os minutos, as horas. Se não os contasse, eles deixavam de se esgotar para nós. Recusei-me a olhar para o relógio, a reparar na altura do Sol ao meio-dia ou nas sombras que se alongavam ao entardecer. Não contava as horas intermináveis passadas a trabalhar na Casa Benedict ou o tempo em que percorria terrenos à procura de mais pistas de Harry. E recusei-me a contar o número de noites martirizantes e solitárias, ansiando que Liam estivesse ao meu lado. A Casa Benedict tinha uma espécie de poder que tornava o tempo nosso aliado. Não era lógico, mas eu já tinha desistido de o tentar compreender. Ainda que nos restassem uns dias apenas, nós fariamos com que eles durassem uma vida e, mesmo que eu não soubesse como, haveríamos de conseguir estar juntos de novo.

Não podia alhear-me de uma certa sensação de vitória. Independentemente do que eu tivesse de sofrer naquele lugar, e do que o motivava, havia uma coisa que ninguém antecipara: ter encontrado Liam. Só esse facto tornava aquele desafio mais suportável. Olhei com ternura para Eurídice, a qual parecia concordar com isso. Sentia prazer em estar deitada na relva aquecida, sob a sua proteção. Liam não aludira ao facto de ela ter mudado de sitio, reforçando a minha convicção de que tinha sido ele a fazê-lo.

- Porque é que mudaste a Eurídice de lugar? - perguntei-lhe de uma vez, ao final do dia, fazendo-lhe cócegas na cara com uma erva.

Ele olhou para mim de soslaio.

- Eu não fiz isso. Porque haveria de fazê-lo?

Dei-lhe um beliscão no braço.

- Para me fazeres acreditar que ela estava a tentar juntar-se ao Orfeu.

- A sério que não fui eu.

Fiz um sorriso irónico, ainda a duvidar dele.

- Se calhar, foi a irmã Catherine - sugeri a rir.

- É pouco provável.

- E se... ela for uma romântica incurável e quiser juntá-los de novo?

- A irmã Catherine não pode ser romântica - sublinhou Liam.

- Ela é humana - argumentei, o que era irónico, porque a principio eu tinha tido sérias dúvidas de que assim fosse.

A noite aproximava-se e os raios do Sol poente tremeluziam entre as árvores. Nem dei por fechar os olhos, mas devo ter adormecido por breves momentos. Quando os abri, estava assombrada.

- Jessy?

- Tive um sonho incrível - murmurei por entre dente.

Liam mudou de posição, mas eu mantive a cabeça apoiada no peito dele, junto ao coração. - Os dois tinhamos envelhecido. Vi-nos passear entre as árvores de mão dada. Eu vestia uma calçãs de nylon e tinha a cara flácida... - acotovelei-o nas costelas, mas Liam não esboçou um sorriso. - E tu continuavas giro, com o cabelo grisalho.

Puxei-o pela t-shirt, mas Liam continuou a não reagir e senti-lhe o corpo hirto. Estiquei-me para o beijar, e a face dele estava molhada. Fingi que não reparava. No olhar dele, havia uma expressão de grande tristeza quando me fitou intensamente, como se gravasse cuidadosamente cada milimetro dos meus traços na sua memória. Beijou-me os dedos, e examinou-os um por um como se fossem uma obra de arte. Afastou-me o cabelo da cara e começou a beijar-me a testa, a seguir o nariz, com a pele esfolada pelo sol, o queixo, o pescoço, até os lóbulos das orelhas. Os seus lábios roçaram-me nos braços, na barriga e no umbigo, descendo até aos joelhos e aos tornozelos. Quando chegou aos dedos, dei uma gargalhada e agitei os pés, a esquivar-me.

- Ficamos aqui a assistir ao pôr do Sol? - propus-lhe.

Liam torceu o nariz.

- Preferia o nascer do Sol.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora