Capitulo 1

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Atravessávamos uma onde de calor no mês de Jullho, com a atmosfera a crepitar e a estalar, pesada como é costume antes de um temporal. Assim que passei a porta da rua, percebi que havia problemas. A minha mãe tinha os olhos congestionados, com as córneas cobertas por vasos capilares minusculos e vermelhos. Aparentemente tinha passado o dia a chorar.

- O Harry continua sem aparecer. Já se passaram mais de duas semanas. 

A minha mochila posou no soalho de madeira com um estrondo.

- Não é a primeira vez que ele faz isto- frisei. - Porque é que estás tão preocupada agora?

Ela espalmou a mão contra o peito.

- Aconteceu qualquer coisa, Jessy. Sinto-o aqui.

- Mãe, ele está bem, tenho a certeza.

A minha complacência pareceu irritá-la.

- Tu és a melhor pessoa para perceber o ... estado dele, como ele é vulnerável.

Mordi o lábio, irritada. Esperava-se que tomasse conta de Harry, desde que tinha dado os primeiros passos, mesmo que ele fosse três anos mais velho. Tinha sido sempre assim. Os problemas de Harry eram os meus problemas. E o "estado" a que a minha mãe aludira de uma forma velada era uma mistura nociva de toxicodependência, depressão e tendência frequente para a autodestruição. Eu estava habituada a apanhar os fragmentos da sua vida despedaçada.

A minha mãe conseguiu verter mais umas lágrimas, com as mãos a esvoaçar em volta do pescoço como um pássaro atordoado.

- Acho que deverias ir a casa dele.

Não valia a pena sugerir-lhe que fosse ela. Como sempre, isso cabia-me a mim. Lancei um olhar recriminador para o relógio.

- Só que agora não tenho tempo. Combinei um encontro com o Louis.

- Não tens tempo, Jessy? Quantas vezes já ouvi essa desculpa? Precisas de controlar a tua obsessão irracional e pensar no bem-estar do teu irmão.

"Não é irracional. O tempo é demasiado valioso. Sou a única que o sente escapar-se de mim? Cad pulsação é mais um segundo a passar e isso parece a batida de um tambor, registando cada momento da vida... principalmente os que se perdem."

Enfrentei-a com ar determinado.

- Tu sabes porque é que eu sou assim. Não é algo que possa evitar.

- Tiveste um ataque de asma em pequena e pensaste  que ias morrer - abanou a cabeça na minha direção. - Tens de centrar tudo na tua pessoa? O Harry é quem me preocupa acima de tudo. Enão, vais a casa dele?

A minha mãe parecia fazer despertar o pior que havia em mim e, por vezes, eu tinha um prezer preverso em contrariá-la.

 - Vou amanhã.

Ela fez uma pausa e recorreu a outra táctica, agora num tom levemente adulador.

- Jessy, tu é tão forte. O Harry é diferente de ti. Ele precisa muito mais de mim e tenho de fazer tudo para o proteger. Os laços entre mãe e filho são sagrados.

"E os nosso laços? Tu nem me deste oportunidade de precisar de ti. O Harry sempre consumiu todo o teu amor e atenção. Eu fiquei invisivel desde que o pai se foi embora."

Para escapar à intensidade do olhar fixo da minha mãe, concentrei o olhar na nova decoração. A sala tnho sido pintada há pouco tempo, numa tonalidade suave de amarelo-pálido a condizer com o novo tapete bege, mas continuava a parecer fria e desabitada.

- O Harry é extremamente sensivel e inteligente - continuou a minha mãe. - Ele vive no fio da navalha - mantive-me calada e ela jogou a sua cartada decisiva. - Prometeste que ias olhar sempre por ele, Jessy.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora