Capitulo 7 - parte I

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Aqui está mais um capitulo. Queria ter posto ontem o capitulo anterior mas não estava a conseguir, por isso hoje teem duplo update. Espero que gostem.

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Fomos para um café e eu folheei o jornal local à procura das páginas dos anúncios. A vantagem do apartamento de Harry era ficar no centro da cidade perto de tudo e rodeado de agitação. Nunca me tinha entretido a observar as pessoas na rua, mas não consegui desviar os olhos de um individuo com ar italiano, vestido com uns calções citadinos e de pasta na mão, que passava junto à montra a passos largos. Até as vítimas da moda com o seu bronzeado de aerossol e de calças de ganga branca me deixavam fascinada, e reparei que todas as raparigas que serviam à mesa usavam vestidos compridos, sandálias gladiadoras e cabelo apanhado. Pousei o jornal.

“Talvez eu pudesse mudar. Podia tornar-me uma dessas pessoas que vagueiam sem destino com sorrisos plácidos, absorvendo o ambiente e vendo a erva a crescer. Podia deitar-me num parque a arrancar pétalas de flores, em vez de soprar freneticamente cada dente-de-leão que me aparece à frente. A Sara e eu podíamos fazer todo o tipo de coisas de raparigas que andei a evitar”

Louis fez-me voltar à terra.

- Isto parece um tiro no escuro – observou ele, e era evidente que se questionava sobre o que nós estávamos a fazer ali de facto. – O anúncio para o emprego de Harry já deve ter sido retirado.

Fiz uma expressão apreensiva.

- Eu sei, mas… pode ser que me salte qualquer coisa à vista, um trabalho que fosse ideal para o Harry. Para decifrar estas pistas tenho de pensar como ele.

Louis voltou ao balcão para pedir uma tosta mista e eu pus-me a resmungar com os meus botões. “Se o Harry não tivesse vendido o computador dele, podia aceder aos ficheiros para ver se ele estava inscrito em alguma agência de emprego.”

Uma voz masculina interrompeu-me os pensamentos.

- Já não precisas desse jornal?

Nem levantei os olhos, concentrada a olhar para o descapotável antigo estacionado na rua, ainda com o motor ligado e uma rapariga loura e minúscula no banco do passageiro. Ela tinha um ar ligeiramente vaidoso no seu vestido transparente verde-mar, a alisar o cabelo ao espelho retrovisor.

 - Ele é meu – disse num tom exaltado, colocando a mão sobre os cabeçalhos.

Ouvi um pequeno resfôlego de satisfação.

 - Então, tu és insolente com toda a agente.

Ao erguer rapidamente os olhos, dei de caras com o rapaz da praia, com um copo descartável em cada mão. Porém, desta vez, ele estava todo aperaltado: camisa branca engomada, gravata fina azul-escura, calças cinzento-claras e aftershave de luxo. O cabelo estava alisado para trás, o que lhe dava um ar ainda mais atraente. Ele lançou-me um sorriso breve, só que não tão arrogante desta vez; havia ali algum calor que aqueceu todo o espaço em volta, como um raio de sol gigante a passar através da montra. Alguma coisa se agitou dentro de mim e isso magoou-me.

- Não sou – consegui ripostar. – Só tu é que me fazes reagir assim.

Ele sorriu.

- Não sabias que era eu.

 - Reconheci o teu sotaque – menti-lhe, irritada por não o ter feiro. O tom nasalado australiano evocava praias douradas, grandes extensões de mar em azul-vibrante, com cristas brancas e espumosas, e um rapaz da praia em tronco nu, a correr pelo areal com a prancha de surf.

- Tenho a certeza de que há aulas para controlo da agressividade nesta zona da cidade – referiu ele, mas vi-lhe um brilho divertido nos olhos.

Havia algo de tão irreprimivelmente bem-humorado na sua expressão que comecei a sorrir. Ele estava certo, eu tinha sido de uma insolência a toda a prova e, agora, surgia a oportunidade de voltar atrás. Não estava habituada a pedir desculpa, mas ele merecia que fizesse uma exceção. Não custava nada, duas palavras apenas. O rapaz estava à espera e o desafio nos seus olhos deslumbrantes cor de avelã fazia o meu coração palpitar. Os rapazes não costumam atirar-se a mim, mas aquela linguagem corporal não deixava qualquer dúvida.  Contudo, o clima alterou-se de repente e ele desviou a atenção, começando a mover os lábios e a fazer gestos para alguém que estava lá fora. Quando dei uma olhadela, a deusa do mar tinha-se soerguido do assento e apontava para o relógio. Eles eram um casal, é claro que sim, e o carro devia ser dele.

- Não deixes a senhora à espera – exortei-o. Ele levantou os copos do sítio onde os tinha pousado na mesa, e olhou para mim intensamente, mas, nesse momento, aquilo fazia-me sentir um inseto debaixo de um microscópio. – Espero não voltar a ver-te – acrescentei.

- Continuas a ser a rapariga mais insolente que já encontrei – declarou ele.

- E parece que tu continuas a viver uma vida de reclusão – retorqui-lhe com sarcasmo, mas desta vez quase como se desejasse isso.

Ele dirigiu-se para a porta sem me dirigir outro olhar, mas teve o descaramento de deitar o olho a uma rapariga gira sentada a um canto. Uma fiscal de estacionamento de ar carrancudo preparava-se para lhe deixar uma multa no carro, quando ele passou como um furacão pela porta de vidro. De uma maneira inacreditável, ele atirou-lhe um beijo, levantou um dos copos como se a saudasse, e ela guardou a máquina, fazendo-lhe sinal para seguir. Ele chegou inclusivamente a buzinar para agradecer. Louis regressou com uma tosta mista gigante e eu tentei disfarçar a sensação avassaladora de desânimo que se abatia sobre mim com a rapidez do nevoeiro. O rapaz da praia e a namorada pareciam tão felizes, livres de qualquer problema, enquanto eu me sentia dez anos mais velha, sobrecarregada por fardos que não sabia sequer descrever. Beberiquei o meu café morno e tentei consolar-me com a ideia de que talvez um camião a passar desse uma banho de areia e brita à namorada dele.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora