Capitulo 6 - parte I

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Aqui está mais um capitulo. Espero que gostem. xxx

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Acordei de repente, desnorteada com os raios de sol intensos a bater-me nos olhos. Perguntei a mim própria que horas seriam e procurei o telemóvel às apalpadelas. Já passava das nove. Tinha dormido dez horas, o que era espantoso. Revivi os acontecimentos da véspera, percorrendo de novo todas as pistas e puxando pela cabeça a tentar descobrir para onde Harry estaria exatamente a levar-me. Não cheguei a nenhuma conclusão e receei estar perante um impasse. Dei impulso às pernas para me levantar do sofá e estremeci ao sentir como os músculos estavam rígidos. Ainda tinha o corpo mais entorpecido do que na véspera. Dirigi-me ao quarto a coxear e, ao colocar de novo o telemóvel em cima do móvel, os meus dedos roçaram na Bíblia de Harry. Passei os dedos pelas letras douradas da capa. Não tinha pensado muito nisso no dia anterior, mas ocorria-me agora que, apesar de o apartamento estar desguarnecido, ela tinha ficado à vista. E o padre tinha citado o Evangelho, qualquer coisa sobre São Pedro e as chaves para o reino dos céus.

Peguei na Bíblia devagar e segurei-a sobre a palma da mão. O livro abriu-se imediatamente no Evangelho de São Mateus, como se tivesse sido aberto ali frequentemente, com a folhas delgadas a agitar-se, exalando o cheiro bafiento de uma igreja. Perscrutei o texto. As palavras "Ama o próximo" estavam reescritas por cima a tinta vermelha. Aquela podia ser uma nova pista. A minha pulsação acelerou e fechei os olhos por um momento, dominada por uma sensação de alívio. O rasto não tinha desaparecido. Até parecia que Harry acompanhava os meus progressos, incentivando-me de cada vez que eu esmorecia. O meu irmão não podia estar em perigo; isto era demasiado divertido para ele. Quase conseguia ouvir a voz dele na minha cabeça: "Vais seguir sempre os meus passos, não é?"

Tinha de contar a Louis. Liguei para ele e disse-lhe precipitadamente o que tinha descoberto na Bíblia e que estava a pensar falar com os vizinhos de Harry nessa manhã, mais tarde. Pela voz dele, percebi que o tinha acordado.

- Uma ótima ideia - disse ele, e ouvi o som abafado de um bocejo. - Vou ter contigo agora.

Sorri para mim própria, imaginado que ele teria concordado com qualquer plano que eu sugerisse, por mais disparatado que fosse.

- Talvez haja vantagens em ir só eu, Louis. As pessoas podem reagir melhor se virem uma rapariga sozinha.

- Mas eu vou de qualquer maneira, Jessy. Precisas de alguma coisa?

Baixei os olhos para a roupa usada de Harry.

- Trazes-me umas calças de fato treino e uma T-shirt lavadas da minha casa? Eu envio uma mensagem à minha mãe a pedir-lhe para me arranjar qualquer coisa, mas não deixes escapar uma palavra sobre o que se passa aqui. Ela vai submeter-te a um interrogatório, e não será agradável, mas limita-te a não dizer nada de relevante.

Louis riu com nervosismo.

- E em relação a comida? Tu sabes como ficas rabugenta quando não comes.

- Uns pãezinhos e compota sabiam bem.

- Mais alguma coisa?

Estava a imaginar o sorriso penitente de Louis.

- O meu computador portátil. E, Louis?

- Sim?

- Tenta não demorar. Não temos tempo a perder.

Quando Louis chegou, já tinha tomado um duche e tentado sem sucesso arranjar o cabelo sem secador. Ele colocou tudo o que lhe tinha pedido em cima da cama.

- Ela está desconfiada - anunciou, com um ar levemente traumatizado depois daquele embate com a minha mãe. - Fez-me o questionário completo, mas eu não vacilei. Fingi que não sabia de nada.

- Muito bem - aplaudi, e ele fez um grande sorriso. - Vou ter de a enfrentar mais tarde ou mais cedo, mas ainda não estou preparada para isso.

- Ela ligou para todos os hospitais e para o senhorio do Harry, mas o homem não sabia de nada e desconhecia por completo que tinam limpado o apartamento de uma ponta à outra.

- Foi uma boa ideia - comentei, admirada. Tinha previsto que ela ia limita-se a andar de um lado para o outro, a torcer as mãos sem fazer alguma coisa de construtivo. Fui ao quarto trocar de roupa. Era espantoso como as roupas lavadas alteravam a minha disposição. Apesar do rosto sem pintura e do cabelo caído, quase voltava a sentir-me humana.

Louis examinou-me com um interesse renovado.

- Pareces mais ou menos diferente.

Levei as mãos à cara, com um sentimento de insegurança.

- Estou sem maquilhagem.

- Fica-te bem... dá-te um ar mais suave... quero dizer, mais bonito.

Desviou o olhar, mas o que ele queria dizer era óbvio; eu parecia menos inacessível sem a pintura intimidante nos olhos, o que seria uma mais-valia se ia tenter engraxar os vizinhos de Harry. Observei o meu rosto com um olhar crítico: boca generosa, olhos fundos em azul-acinzentado, maçãs de rosto elevadas e proeminentes. Louis costumava dizer que o meu sorriso me transformava a face por completo, mas eu não sorria o suficiente. Dei uma olhadela ao relógio. Já eram umas respeitáveis onze horas da manhã, e era sábado, pelo que havia a hipótese plausível de apanhar as pessoas em casa. Acenei ao de leve para Louis e saí. Havia cinco apartamentos ao todo e pareceu-me lógico começar pelo mais próximo do de Harry.

Percorri um pequeno corredor, transpus uma porta corta-fogo, e, depois de endireitar os ombros, dei uma pancada leve e decidida na porta. Este abriu-se quase instantaneamente o que me apanhou de surpresa. Um rosto desconfiado retribui o meu olhar.

- Sim?

Tentei esboçar um sorriso, mas a minha boca distorceu-se como se eu estivesse com dores.

- Estou... à procura do Harry, que vive no apartamento do lado... gostava de saber... se o viu há pouco tempo.

O individuo era razoavelmente novo, com uns óculos de aros dourados e uma barbicha irritante. Senti o cheiro a bacon a flutuar pelo corredor.

- Hum - proferiu ele, confiando os pelos da cara. Qualquer coisa na sua expressão me dizia que ele não ia ser útil. - Vi-o há poucas semanas quando me pediu vinte libras emprestadas para uma emergência familiar. Não o vejo desde essa altura. Acho que ele anda a evitar-me.

- Ah - murmurei.

- É parente dele?

- Apenas uma... amiga. Eu não me esqueço de lhe falar do dinheiro quando ele aparecer.

- Fale - replicou ele rudemente, e bateu-me com a porta na cara.

"Ok, má jogada", disse para mim própria, mas nem todas tinham de ser assim. Estava envergonhada por Harry ter pedido dinheiro emprestado e não o ter devolvido, e indignada comigo própria por não ter confessado que éramos parentes. A vergonha não era uma novidade; Harry tinha-me feito sentir humilhada tantas vezes com o seu comportamento, que eu já devia estar imune, mas era a primeira vez que negava ser irmã dele e a sensação não era agradável.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora