Capitulo 22

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Liam deve ter ouvido os pneus da minha bicicleta trilharem a gravilha, porque ele apareceu numa das janelas do andar de cima. Reapareceu na varanda, vestindo unicamente um par de calças descaídas, o que mostrava que ele não tinha qualquer roupa interior. Protegi a vista para o observar, enquanto ele se debruçava sobre o parapeito a olhar para mim. Levantou a mão e desapareceu a seguir. Calculei que estivesse a vestir-se. Inspirei os aromas de verão, contemplando as abelhas a colherem o pólen. Um barulho fez-me erguer o olhar; alguém aclarava a garganta. Enganara-me ao pensar que Liam ia vestir-se; ele estava descalço e apenas com uns boxers. Tinha o cabelo sedutoramente desalinhado e um dos lados da cara estava marcado pela almofada. Aproximou-se ainda mais, até ficarmos apenas a um metro de distância um do outro.

Não devia ter sido diferente de o ver na praia ou numa piscina, à excepção de o ser de certa forma. Abarquei cada ponto do seu corpo esguio, desde os pêlos no peito, aos sulcos acima das clavicúlas, as costelas, até  umbigo, soberbamente talhado. 

"Porque é que ele não diz alguma coisa?"

E no entanto eu não queia que ele o fizesse para não estragar o momento. Parecia que deixara de existir tudo no planeta, à exceção do bater do meu coração. 

Lembrei-me que horas eram e entrei em pânico.

- Devias sair daqui, antes que a irmã Catherine apareça. Ele vai ficar horrorizada ao dar connosco aqui, desta maneira.

Ele inclinou-se e levantou-me o queixo com o dedo.

- Sabias que os teus olhos têm uma mancha violeta que dança à luz do Sol?

Virei a cara para o lado. Depois do dia anterior, a minha determinação em não deixar que ele brincasse com o meu coração era maior do que nunca.

- Tenho de encontrar o Harry - disse-lhe com firmeza. - Essa é a única razão que me leva a estar aqui. Nada mais interessa, e tu devias concentrar-te na tua própria pesquisa. Se calhar... não é boa ideia ajudarmo-nos um ao outro.

Aquilo não pereceu perturbá-lo de modo algum.

- Se não unirmos os nossos esforços - disse ele - tu não vais saber aquilo que descobri quando falei com a minha avó.

- Mas... tu disseste que ela estava...

- Ela tem momentos de lucidez, Jessy, e está perfeitamente convicta de uma coisa... - Liam hesitou. - Tanto Eurídice como Orfeu ficaram na propriedade. Orfeu ainda aqui se encontra de certeza, algures, no meio dos terrenos. Parece que fui eu quem escolheu o sitío onde ele ia ficar há uns anos... mas... não me consigo lembrar.

- Podemos procurá-lo mais tarde - propus, sentindo-me empalidecer ao ouvir uns passos. 

Os meus olhos imploravam-lhe em silêncio que se apressasse, mas Liam dirigiu-se à porta principal com uma indiferença provocante, até desaparecer. Baixei a cabeça, tentando acalmar-me e, quando voltei a levantá-la, vi a irmã Catherine aproximar-se. Eu devia ter uma expressão de culpa estampada no rosto.

- Vai conseguir fazer o seu trabalho a tempo, Jessy? - a voz dela estava nasalada, como se o fumo da uma fogueira se misturasse à sua desaprovação.

Ao ouvir aquilo fiz uma expressão desdenhosa.

- O tempo arrasta-se neste sitio. Não reparou?

- Não é isso aquilo que sempre desejou? Ter mais tempo?

Fiquei demasiado estupefacta para lhe responder. "Como esá ela a par da minha obsessão com o tempo?"

A freira mirou-me de cima a baixo com um olhar penetrante.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora