Capitulo 31

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Não parecia ser possível, mas um novo e lindo dia nascia. Tentei encarar uma realidade nova e inexplicável: o Sol ia nascer e pôr-se, a Lua continuaria a crescer e a minguar, e o mundo a girar em torno do seu eixo, mesmo que Liam já não vivesse ali. Deixei-o deitado num tapete de folhas, parecendo um anjo. Só que, desta vez, ele não estava adormecido. Nesse momento, o desespero envolvia-me como numa nuvem negra e sufocante. Não ia adiar o meu plano de o seguir. Ele podia afastar-se demasiado de mim. Desconhecia como funcionava a morte, mas não ia correr qualquer risco. Os meus pés conduziram-me às profundezas do bosque, até eu sentir o cheiro da terra húmida e fria. Prossegui num andar incerto e cambaleante, ansiosa por chegar à lagoa. Os meus movimentos eram totalmente premeditados e tinham um objectivo bem definido. A morte já me tinha tentado levar; agora, era eu quem ia ao seu encontro. Meti-me na água sem me despir, esperando que a roupa aumentasse o meu peso, tornando aquilo mais fácil. Naquele dia, não havia ninguém para me salvar. Não chegaria a inspirar sequer uma golfada de ar antes de ser arrastada para o fundo. 

Fiquei tensa, à espera de ouvir os primeiros rumores debaixo de água, mas nada perturbou a superfície serena. Mantive o corpo imóvel e em suspenso durante o que me pareceu uma eternidade, desejando que o fim chegasse rapidamente. Mergulhei a cabeça nas águas turvas vezes sem conta, mas era sempre expelida para a superfície Acabei por sair dali já sem forças. A insensatez deu lugar à raiva, quando me apercebi da inutilidade do que fizera. Não existia ali nada que me pudesse magoar. Tudo fora sempre e só fruto da minha imaginação. Contudo, agora não havia uma maneira de chegar a Liam, o impacto da sua morte atingia-me de novo. 

O grito emanou do mais intimo do meu ser e foi um alívio deixá-lo sair. Até as árvores pereceram compreender isso, e a sua cobertura luxuriante de folhas e ramos não o abafou, parecendo antes abrir-se para deixar a minha raiva e impotência chegarem ao céu. Os meus dentes rangiam e devo ter mordido a língua, porque senti o sabor a sangue. Atingi a árvore mais próxima com o punho, fazendo a casca estilhaçar-se como uma noz quebrada, deixando uma marca em forma de rombo na minha pele. Cambaleei ligeiramente, com a dor física a ofuscar ligeiramente e por breves momentos a dor intensa que sentia dentro de mim. Para onde iria eu e o que iria fazer sem Liam? Não podia abandonar a Casa Benedict, porque li me sentia perto dele. Sentia-me instigada a vaguear pela propriedade fazendo o luto da sua morte, com lágrimas ardentes a crestar-me as faces, mesmo que isso equivalesse a uma pena de prisão perpétua. Um arrepio percorreu-me as costas. 

"O seu destino é ficar aqui na prisão que decidiu escolher. Aterra irá chorar consigo e, das suas lágrimas, novos rebentos germinarão."

A avó de Liam devia estar a par da doença dele e tinha previsto o meu sofrimento, quase escarnecendo de mim. 

A voz da irmã Catherine sobressaltou-me.

- Esta não é a resposta, Jessy. 

Ele estava ali ao pé, com as mãos cruzadas à frente do corpo. Devia ter escutado o meu grito, mas não me perguntou o que o motivara. Pela sua expressão, ela parecia já saber o que tinha acontecido a Liam e que eu tentava juntar-me a ele. 

Rocei com os dedos na contusão no meu punho. 

- Então qual é? - inquiri, exaltada. 

- O amor verdadeiro jamais poderá ser separado. 

As palavras dela não me consolaram.

- Eu não tenho a sua fé. E não imagino onde o Liam possa estar.

Ela fez um sorriso. 

- O Liam está à sua espera. 

- Como é que isso é possível? - perguntei a custo, dominada pela emoção. - Eu vi-o morrer.

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora