Capitulo 20 - parte II

14 3 0
                                    

Mantive uma passada rápida e fui caminhando pelo meio do trilho para não podermos seguir lado a lado. Assim que entrei no templo senti o ambiente estranho, como se o bosque se tivesse enchido de vida outra vez, como se as trepadeiras fossem furar o telhado de vidro e estrangular-me. 

Deambolei por ali, falando sobre as pistas de Harry e mantendo uma expressão serena. Atirei os paus que estavam no pequeno pedestal para o chão, irritada por aquilo se revelar um perfeito beco sem saída. 

- Qual era a estátua que estava aqui? - perguntei a Liam por acaso.

Ele não precisou de pensar.

- A Eurídice. Era a minha preferida.

- Como é que ela era?

- Linda - disse Liam, e eu quase senti ciúmes. - Vestido comprido, flores no cabelo, a mão graciosa... sobre a testa...

O meu coração bateu com mais força.

- Vi uma estátua aasim nos terrenos, da primeira vez que vim cá.

- Mas... tenho a certeza de que elas foram todas doadas ao museu.

Fiz uma expressão preplexa.

- Acho que não imaginei isso. Tinha um branco luminoso e a mão pousada sobre a testa. A príncipio assustou-me, porque pensei que era real. 

- Consegues econtrá-la outra vez?

- Eu... acho que sim. Não estava longe dos portões principais. 

Saímos juntos e eu mantive um passo rápido, aborrecida comigo própria por ter deixado escapar algo tão óbvio. Harry tinha escolhido aquele pedestal em especial por alguma razão, e eu tinha de saber porquê. Algum tempo depois, Liam estava quase ofegante, e vi mais uma vez como ele continuava exausto, com as gotas de suor a brilhar-lhe por cima do lábios. Continuava preocupada com a sua apatia e as marcas nos braços, e estava sempre a olhar para ele disfarçadamente. 

Procurei lembrar-me do local onde tinha vista a senhora de mármore pela primeira vez. Era difícil saber a posição certa e chegámos aos enormes portões sem encontrar vestigios dela. 

- Ela via-se do caminho, tenho a certeza - disse eu.

Liam lançou-me um olhar cético, levando-me a perguntar a mim mesma se não tinha sonhado com aquilo tudo. Corri em frente, recuando na memória até à altura em que seguia na bicicleta e vira a cabeça dela brilhar através da vegetação. Ela não se via em parte alguma. Intrigada, pus-me a vaculhar no meio do matagal. Não demorei muito tempo a avistar a silhueta de mármore branco. A excitação fez-me falar com uma voz esganiçada.

- Lá está ela. deve ter mudado de lugar. Não... isso não é possivel. provavelmente, os arbustos espalharam-se e taparam-na. 

Liam meteu-se por entre as folhas e juntou-se a mim. Esboçou um enorme sorriso e passou as mãos pelo mármore liso.

- Eurídice - declaru ele com orgulho. A seguir olhou em volta. - Mas, onde está o Orfeu? Eles nunca deviam ter sido separado.

- São um casal?

- Claro que sim. Não conheces o mito?

Abanei a cabeça.

- Orfeu e Eurídice - proferiu Liam. - A lenda grega refere que ela morreu no dia do casamento. Orfeu ficou cheio de desgosto e tocou músicas tão melancólicas na sua lira que o barqueiro o autorizou a atravessar o rio Estige com vida, para descer ao Mundo dos Mortos. As suas melodias impressionaram igualmente o rei e a rainha do Mundo dos Mortos, que autorizaram Eurícide a regressar a terra... mas com uma condição. Orfeu não devia virar-se a olhar para ela até chegarem ao mundo dos mortais. Contudo... ele olhou, e ela foi-lhe levada pela segunda vez, e Orfeu só pôde voltar a vê-la depois da sua morte. 

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora