Não olhes pra trás

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Prólogo

- Um, dois, três, quatro... Vá lá Jessy, eu não estou muito longe.

- Mas eu não te vejo, Harry.

- Cinco, seis, sete, oito... segue os meus passos, não é dificil.

O vento trespassa as copas das árvores a sussurar, como se centenas de vozes me contassem os seus segredos. Inclino o pescoço para trás e vejo as nuvens do anoitecer avançarem, furtivas. As árvores são altas e pouco espaçadas, e fazem-me sentir atordoada e confusa.

- Harry, está a anoitecer e tenho medo. Já não quero brincar a este jogo...

- Não sejas medricas. Estás quase lá... Só mais uns passos.

O vento empurra-me o cabelo para os olhos e deixa-me cega. Avanço desajeitadamente num passo pesado e procuro seguir o som da voz dele, mas ela é abafada pelo pânico a rugir nos meus ouvidos. O chão é mole e lamacento. Prende-me os pés e faz-me cair aos trambolhões pela vegetação rasteira. O chão firme desaparece e deslizo por uma encostra ingreme de erva, pedras e arbustos. Consigo abrandar a descida com os calcanhares. Agarro-me a uma árvore que forma um ângulo com uma borda alcantilada. Ela agita-se e inclina-se e os ramos balançam com o peso do meu terror. O meu coração bate tão alto e tão depressa que não consigo recuperar o fôlego. Olho para baixo e não vejo absolutamente nada; a escuridão é densamente aterradora. quero estender o braço e romper a sua textura á procura de uma fresta de luz. O meu pé escorrega e a frágil árvore curva-se ainda mais. Ouço algo a estalar e grito pelo meu irmão a pedir ajuda. Ele é mais alto e forte do que eu, com os pés tão firmes como uma cabra-montês. E muito destemido, sem medo absolutamente nenhum. Apanha-me em segundos. Lanço-lhes os braços em redor do pescoço e ele arrasta-me de novo para lugar seguro. Um fio de sangue escorre pela minha cabeça, e tenho arranhões nos braços e nas pernas, mas mal dou por isso.

- As tuas pistas idiotas, Harry! - ralho com ele - Quase caía lá em baixo e nem consigo ver a distância até ao fundo.

- É insondável. - diz ele.

- O que quere dizer isso?

-   Quer dizer que nunca mais acaba e que tu ias cair para sempre.

Sinto desejos de espreitar de novo pela borda, mas não o posso fazer, não vá a escuridão engolir-me.

- O que existe lá em baixo?

- Não adivinhas?

Abano a cabeça.

Os cantos dos lábios dele curvam-se num sorriso.

- Lembras-te da história que a mãe nos contava sobre o Inferno? Quando tens a alma negra, é para lá que vais e nunca mais consegues sair.

Sinto-me percorrida por calafrios, até na garganta. 

- Obrigado por me teres salvado - dissel-he com a voz sufocada.

Harry inclina-se para me secar as lágrimas com beijos e a voz dele enche-se de uma alegria estranha que nunca lhe tinha sentido.

 - Eu vou estar sempre au teu lado, Jessy, tu sabe-lo bem, mas nunca deves desistir de tentar encontrar-me.

- Porquê? Para onde vais tu?

Patrick segura-me a mão com força.

- Quando andarmos a fazer o nosso jogo, palerma. Vais seguir sempre os meus passos, não é?

- Acho que sim.

A força com que ele me aperta a mão aumenta e as unhas cravam-se na minha palma ferida, fazendo-me lacrimejar.

 - Jessy, isto é importante. Tens de prometer.

Eu acenho-lhe gravemente com a cabeça.

 - Prometo, Harry.

Ele agarra-me num dedo e traça duas linhas transversais sobre o meu peito. Os olhos dele têm um verde vibrante, exactamente como a erva na Primavera. Olho para eles e sinto que vou de novo resvalar. 

- Agora, jura, Jessy. Jura solenemente.

- Eu não volto atrás no que prometi, Harry - respondi-lhe submissa. - Juro por tudo o que é mais sagrado. 

Não olhes para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora