Capítulo 11

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CHARLIE

Gostei da ideia da mamãe e do papai, mas do jeito que me conheço sei que ficarei nervoso no meio de tantas pessoas, porém, acho que não vai ir muita gente na estreia.

Papai ficava o dia todo arrumando a escola da dança, enquanto mamãe me ajudava com os preparativos. Ela comprou dois ternos pretos e sapatos sociais – fiquei parecendo um mini-garçom. Me levou ao estúdio fotográfico GOOD, mas mamãe achou caro o valor, por isso, fomos na agência de modelos RARE BEAUTY – que também fazia fotografia e Alex fez um bom orçamento.

No dia das fotografias, fomos na escola de música SOUND. Os donos nos autorizaram a usar seus instrumentos musicais. A sala dos pianos era toda de paredes pretas, isso ajudou as fotos ficarem mais bonitas. Com uma boa iluminação, Alex começou a seção. Me pediu para sentar no banco que fica em frente ao piano e simular que estava tocando. Tiramos ao total 20 fotos e a escolhida para ser o anúncio foi a que fiquei em pé, de costas, ao lado do piano e tocando uma tecla do meio. Nela, meu rosto não ficava visível, mas era possível ver uma criança.

Depois das fotos, no dia seguinte, mamãe me levou para a escola. Confesso que não gostava de ir, por causa de uma coisa, os alunos me chamavam de "mauricinho" e "anormal". Tudo isso porque meus pais tinham amigos importantes e meus olhos são da cor âmbar. Também chamavam de "cegueta". Por meus olhos serem muito claros, precisava usar óculos de descanso, assim evitava futuros problemas visuais.

Minha aula favorita era educação física e o esporte era basquete, sempre que passava na TV os jogos eu assistia. Era a única hora que me tratavam bem, porque o resto era horrível. Só me chamavam porque arremessava bem.

Minha rotina era assim; segunda acordava cedo e ia para escola, de tarde treinava no piano e de noite fazia programa em família; terça era escola de manhã, a tarde brincava com meu amigo de videogame e de noite treino no piano. Resumindo fazia isso, mas o fim de semana era todo com meus pais. Mamãe me levava para patinar na pista de gelo, às vezes papai se sentia o fotógrafo e registrava nossos momentos engraçados.

KENNER

No início de setembro a escola já estava pronta para as apresentações, meu filho já tocava o novo piano de olhos fechados, aparentemente estava preparado. Chegava em casa e o via tocando todo animado e minha esposa filmando.

Marcamos a estreia para dia oito de setembro, Marta anunciou em sua empresa e Jonny no banco. Falamos também com nossos amigos. A novidade de ver uma criança tocando piano deixou as pessoas curiosas e fez com que os ingressos alcançassem o topo, vendemos todos.

Nossos amigos ouvidores confirmaram presença no primeiro dia de vendas. Fizemos uma sala com capacidade para quinhentas pessoas, mas com o grande número de vendas conversamos com nosso filho e marcamos mais dois dias de apresentações, sendo eles oito, nove e dez. Foram duas seções em cada dia.

Lady era obcecada pelo Charlie, não é exagero dizer isso. Nos dias que ele sentia dor de cabeça, ela ficava ao lado dele até o garoto dormir, acompanhava todos dias de casa até a escola, entrava em pânico quando ele chorava – foram raras que ela brigou com Charlie. Tinha medo dele se tornar um menino mimado por isso, mas ainda bem que não ficou. Lady não o deixava sozinho. Depois que chegava da escola, o levava para a escola de dança e o deixava treinando – as vezes parava a aula para ver se o filho estava bem. Entendo que toda mãe ama o filho, mas ela amava exageradamente.

LADY

Fiquei preocupada por marcar mais dois dias de apresentações, ele era apenas uma criança. Como já havia marcado, deixei passar, mas depois delas meu filho não pisaria em um palco tão cedo. Fiquei com medo que aquilo atrapalhasse seu desempenho escolar. Eu precisava encontrar outro jeito para conseguir manter a escola de dança, a casa e pagar as dívidas.

Meu filho era minha vida. Se algo acontecesse com ele, eu perderia meu chão. Lembro-me de algumas noites que passei em claro olhado para a janela da sala, ela dava vista para a rua. Tinha medo dos cobradores virem atrás do meu filho e pegá-lo como "forma de pagamento". Não o deixava voltar sozinho pra casa de jeito nenhum, todos os dias eu ou meu marido iria buscá-lo na escola. Quando precisava de ir na biblioteca alguém ia junto. Não podia deixar meu menino sozinho, nunca.

MARTA

Já havia três meses que minha filha foi sequestrada. Aqueles marginais roubaram minha filha de mim e não pediram nada, não fizeram ligação pedindo resgate, nada. Meu coração se entristeceu muito, acho que até os funcionários notaram minha mudança de humor. Deixei de ir a empresa todo o mês de julho, apenas em agosto que consegui voltar a minha rotina, mas ainda assim não consegui me adaptar.

No início do mês de agosto fui a polícia para abrirem uma investigação a procura da minha filha, mas por causa da falta de informações, a investigação não seguiu adiante e foi arquivado – a investigação não durou dois meses.

Tentei levar minha vida da melhor maneira, mas aquele buraco no meu peito não se fechou. Para amenizar minha dor, tentei ajudar a criança mais próxima de mim, Charlie. Mesmo sua família sendo a mais alegre que já havia visto, não tinham boa condição financeira, no que pudesse ajudaria a família Colf.

No dia das apresentações do Charlie, fiquei ansiosa para vê-lo. Mesmo sendo novo, era muito habilidoso. Sentei na quinta fileira no meio da sala, ele tocou cinco músicas dentro de uma hora. Houve três intervalos e eles foram de dançarinos de tango. Antigos amigos do Kenner e Lady.

No fim de todas as apresentações, fui à casa da Lady, era dez da noite. Charlie estava dormindo e Kenner assistia TV. Meu marido foi conversar com Kenner sobre assuntos financeiros. Lady e eu sentamos à mesa da cozinha, ela me ofereceu chá com bolinhos.

– Lady, percebi que parece preocupada.

– Estou sim, é por causa do Charlie. Ele é novo demais para fazer essas coisas, por isso, decidi que ele não irá mais se apresentar.

– Mas por que? As vendas foram ótimas.

– Eu sei, mas não tenho medo que isso atrapalhe. Encontrarei outra forma de quitar as dívidas.

Terminei de comer e me despedi. Antes de ir pedi Lady para me deixar dar um beijo de boa noite no pequeno Charlie. Ela abriu e beijei a testa do menino carinhosamente. Uma lágrima escorreu do meu olho esquerdo. Me levantei, agradeci pelos bolinhos e voltamos para casa.

Meus pensamentos eram de ajudar minha amiga, mas ela nunca me contou o que tanto devia. Eu queria saber. Ela não era uma mulher que gastava seu dinheiro com coisas fúteis, somente com coisas essenciais para o dia a dia.

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