Convite

314 29 6
                                    

Kepa acordou com dores de cabeça. A luminosidade o incomodou tanto que acabou fazendo com que ele fechasse praticamente todas as cortinas da casa. Desceu para preparar o café da manhã e abriu a geladeira.

O frio estava infernal do lado de fora. A neve e o vento o assustaram. O dia estava perfeito para ficar em casa, mas o time teria um treino à tarde. Aparentemente, seria cancelado por conta do tempo.

O treino só o preocuparia depois do almoço. Configurou a máquina de café e colocou o pó no compartimento. Pegou presunto, queijo e manteiga na geladeira. Fez duas torradas com pães de forma e colocou-as em um prato grande. Passou manteiga nas fatias de pão, que ainda estavam quentes e sentiu o cheiro do café tomando conta da cozinha.

O espanhol se lembrou de quando era pequeno e a mãe preparava o café da manhã antes de ele ir para a escola. O dia era longo, pois treinava depois das aulas e chegava em casa depois das sete da noite. O café da manhã era o melhor momento do dia ao lado dos pais. A mãe cozinhava muito bem. O pai sempre ligava o rádio, que ficava sintonizado em uma emissora de músicas antigas e abria o jornal da região para se informar. As conversas tinham trilha sonora. O café da manhã tinha cheiro de infância. Aquele momento do dia sempre transportava Kepa para o passado com serenidade.

O goleiro tinha uma vida feliz no litoral espanhol. Praias bonitas e tranquilas, quase intocadas pelo ser humano. Ali, ele se sentia em paz. Era o principal refúgio de férias, principalmente depois de ter se tornado atleta profissional. No pouco tempo realmente livre que tinha, ficava na cidade natal e pegava o carro todos os dias pela manhã para ir a alguma praia da região. Quase sempre acompanhado de amigos e familiares.

Ao terminar o café da manhã, lavou as louças e foi para a sala. Na noite anterior, passou horas lendo confortavelmente no sofá até pegar no sono e ir para o quarto. Acendeu a lareira e sentou-se no sofá. Pegou o livro na mesa de centro e abriu-o.

Duas horas depois, percebeu que havia avançado bem na leitura. A neve cessou e ele foi à área externa na parte da frente de casa para verificar se havia muito gelo no chão e na escada que levava à rua. Kepa ficou receoso de escorregar novamente, como ocorreu no dia anterior ao sair de casa para treinar. Retirou o excesso de neve no caminho até a garagem para que as rodas do carro não derrapassem e também removeu a camada no caminho até a rua.

Ao voltar para casa, descuidou-se e escorregou mesmo assim. Riu de si mesmo e levantou. Percebeu que havia um envelope no chão. Pegou-o e fechou a porta, indo para o sofá em seguida. Ele ficou ansioso para ler a carta.

O goleiro não acreditou no que viu. Esperava que fosse mais uma carta rotineira, mas parecia uma despedida. A esperança dele foi o "até logo" no final do texto, porque ele amava ler as cartas. Tinha algumas suspeitas sobre a autoria, mas os textos eram davam pouquíssimos sinais de quem poderia ser.

Kepa só sabia de uma coisa: aquelas três cartas o ajudaram a se sentir mais confiante. Quanto tempo levaria até que o autor ou autora anônimo(a) voltasse a escrever para ele? Será que a pessoa o deixaria por tanto tempo sem uma mensagem? Como aquelas cartas o faziam se sentir tão bem, sendo que nem sabia quem escrevia para ele? Como sabia onde ele morava?

O espanhol não tinha as respostas. Aquilo o intrigava muito. Mas, se quem estava por trás das cartas sabia onde ele morava, conectar aquela informação a uma pessoa seria, teoricamente, mais fácil. Mas não foi bem assim. Kepa passou longos minutos avaliando possíveis nomes. Desistiu quando o celular tocou. Era o técnico, avisando que não haveria treino à tarde. Pelo menos poderia descansar mais um pouco e continuar a leitura do livro.

Depois do almoço, ele enfrentou o tédio. Limpou a cozinha, organizou o quarto e leu. Olhou as mensagens no celular e as respondeu. Uma, em especial, pedia para que ele ligasse. Era de um amigo do time. Jorginho.

Cartas | Kepa ArrizabalagaOnde histórias criam vida. Descubra agora