Carta II

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Oi, Kepa.

Essa é a segunda vez que escrevo para você. Espero que se encontre bem e que tenha lido a primeira carta. Então, queria falar nessa oportunidade sobre algo que me encanta muito: sua força de vontade.

Você se manteve de pé todo esse tempo. Nem sempre de cabeça erguida, pois o peso do fracasso em seus ombros quase lhe derrubou. O problema não foi esse. Pressionaram muito. Não entendiam ou sequer sabiam o que estava acontecendo. Você não quis pedir para se afastar. Não quis perder o último vínculo ativo que tinha na vida: o futebol. Não podia perder. Se você perdesse o futebol, os danos seriam irreversíveis e eu sei disso.

O esporte é a sua vida. Desde muito cedo. Tens uma característica que nem todos os jogadores possuem... sabe o que é? Feche os olhos e pense. Depois volte a ler.

Bom, você é um atleta. Corro o risco de cair naquele clichê em que se compara a definição de jogador e a de atleta, mas em relação a você, é a mais pura verdade. Você tem todos os requisitos de um atleta. Não reconhece isso? Veja as camisas que já vestiu ao longo da vida. Veja onde está agora... nada é por acaso. Por qual motivo foi contratado por um clube tão grande?

Pagaram muito por você. Isso é verdade. Mas se pagaram, é porque valia a pena. E digo com muita certeza que o investimento foi válido. Kepa, ninguém poderia imaginar que você passaria pelo que passou! Nenhum clube compra um jogador já pensando nos problemas físicos e pessoais que podem surgir no curso do tempo. Por isso lhe digo: nunca estamos prontos para o futuro até que ele venha até nós e se descortine.

E o futuro é muito incerto. Você não esperava passar por tudo isso. É como se uma onda alta e forte batesse em você. Acho que se afogou um pouco no meio desse turbilhão de coisas. Tudo bem ter se afogado, mas você já está chegando à praia. Isso é o mais importante.

Agora, respire. Tens um longo caminho pela frente. Sei que precisará recuperar a confiança que perderam em você. Até mesmo a confiança dos seus companheiros de equipe, que algumas vezes fizeram cobranças mais duras após os jogos. Junto com os torcedores, alguns começaram a duvidar se era mesmo uma boa alternativa mantê-lo como titular. Mas essa decisão não era apenas sua. Então, não se culpe totalmente por isso.

Entenda que eles só queriam o seu bem. Mesmo aqueles que foram mais incisivos ou até mesmo rudes com as palavras. Todo mundo gosta de você. Duvide de quem não gosta. É normal quando todos esperam uma defesa espetacular. É normal quando um jogo muito decisivo está chegando ao fim e o adversário vira o placar, aproveitando-se de uma falha sua.

Quantas vezes podemos lembrar daqueles jogos muito importantes em que você falou ou se sentiu perdido em campo? É realmente difícil manter a cabeça no lugar quando o foco simplesmente não vem. Como focar no meio de toda essa bagunça?

Você não precisa se cobrar tanto. Desacelere um pouco. Vá no seu tempo e não hesite em expor que não se sente muito bem para o time. Busque apoio nos seus amigos. Se ninguém lhe apoiar, pense só: você travou muitas batalhas ao longo da sua vida. Muitas delas, sozinho. Então, coloque-se de volta na equação. Pense um pouco em si mesmo.

Pensar em si mesmo faz bem. Não é egoísmo. Então, se sentir que está no seu limite, não force mais um pouco. Qualquer pessoa que está bem pode forçar. Mas você sabe que não está no seu melhor momento. Então, respeite as suas limitações.

Reconhecer é o primeiro passo para que tudo passe. E vai passar. Eu vejo a sua luta diária. Eu o vi se tornando reserva. Eu vi outro goleiro ser contratado e ganhar espaço. Eu o vi no banco, querendo entrar e ajudar quando o resultado não era favorável.

Eu o vi sendo corajoso e batendo no peito, pedindo desculpas por se sair mal. Eu o vi aceitando o momento e a dor do fracasso momentâneo. Eu o vi sofrendo e não podia fazer nada. Eu o vi a metros de distância olhando para baixo, visivelmente triste com o que estava acontecendo.

Eu vi e ouvi quando começaram a gritar aqueles apelidos que deram a você. Não vou repeti-los porque são vergonhosos e podem lhe fazer mal. Aquele momento foi difícil para qualquer pessoa que gosta de você. Deu vontade de sair no soco com qualquer um que o insultou.

Insultos que vinham até mesmo quando você entrava em campo para aquecer antes do jogo. Deu para ver que isso o desestabilizava mais e mais a cada dia. A maioria não falava daquela forma. Sabe aquela história de que o bem sempre vence? O bem sofre, mas o bem persevera. O bem se enfraquece, mas não desiste. É exatamente por isso que você deu conta de passar por tudo.

Sinto muito por isso. Sinto muito pelo que lhe disseram. Peço perdão em nome de todos que, de alguma forma, feriram você. Jamais merecia passar por isso. Jamais merecia duvidar de si mesmo.

Até breve.

P.s.: se você leu essa carta, vá à London Eye e apresente o seu documento na entrada quinta-feira, às 19 horas. Tomei a liberdade de fazer uma reserva em seu nome para que aproveite o momento. Depois, compre um sorvete com a senhora que fica com um carrinho bem em frente e publique uma foto desse passeio nas suas redes sociais. Fique tranquilo, não vou pedir ou exigir nada impossível. Só quero saber se as cartas estão lhe ajudando.

Cartas | Kepa ArrizabalagaOnde histórias criam vida. Descubra agora