Preocupações

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No outro dia

Kepa acordou atrasado para o treino. Ele não lembrava como chegou em casa na noite anterior. Abriu um sorriso ao lembrar de mais um encontro ao acaso com Isabel.

Ao lembrar-se de Jorginho, o sorriso desapareceu e deu lugar à incerteza. Em pouco mais de uma hora, ele encontraria o amigo. Não sabia o que dizer, muito menos como agir. Ele tomou café da manhã rapidamente e tirou o carro da garagem. Dirigiu pelas ruas e avenidas de Londres, pegando a estrada para o centro de treinamento minutos depois.

Quando chegou, não viu ninguém. Todos já estavam em campo. Ele foi para o vestiário e se trocou rapidamente. Colocou as luvas, mas percebeu que não amarrou as chuteiras. Quando chegou ao campo, os outros goleiros já treinavam. Viu Mason e pediu ajuda a ele.

— Ficou até tarde no pub ontem? Soube que foi e que estava com uma bela mulher — Mason comentou, ajudando-o a amarrar as chuteiras.

Jorginho estava perto e ouviu.

— Ela é minha amiga, Mount. Nos reencontramos há alguns dias. Você adora falar de coisas que não sabe — ele revirou os olhos. — Oi, Jorgi! — Kepa acenou para o amigo, que pareceu não ter prestado atenção.

Na verdade, o brasileiro ouviu o que ele disse. Ouviu cada palavra. Mas ele preferiu ignorar o espanhol, mesmo sabendo que aquela atitude poderia fazer mal a ambos. Ele precisava se acalmar e entender o que viu na noite anterior.

Kepa treinou defesas com alguns dos batedores de pênalti e cobradores de falta do time naquela manhã. Jorginho, é claro, fazia parte da lista. Ele foi o último a participar, quando o goleiro já estava cansado e um pouco desatento. Foram mais de quarenta chutes a gol. O espanhol defendeu a maioria deles.

Jorginho chutaria mais cinco vezes. Ambos ficaram tensos quando ficaram frente a frente. Kepa sabia muito bem como ele chutava a bola. O pequeno pulo que dava antes de posicionar o pé de apoio para sustentar o chute costumava denunciar o lado escolhido para enviar a bola ao gol. Era só ter atenção no jeito dele.

Porém, o brasileiro isolou a bola, que foi parar em uma das árvores ao fundo. Ele nunca havia chutado mal daquele jeito. Segunda cobrança. Kepa pulou para o lado certo, mas não conseguiu pegar. Terceira. Defendeu. Quarta. Bateu na trave e voltou para perto de Jorginho.

Na última, todos pararam para ver. O brasileiro olhou com frieza para a bola, posicionando-a na marca do pênalti e respirando fundo. Kepa cuspiu nas luvas, esfregando as palmas rapidamente. Depois, passou-as no gramado, como sempre fazia quando sentia que precisava manter o foco. O goleiro defendeu, arrancando aplausos dos outros. Jorginho gritou, com raiva, mas também aplaudiu-o.

O objetivo da atividade era óbvio: testar Kepa, que era o melhor goleiro em relação a pênaltis, e verificar se a lista de cobradores oficiais do time poderia se manter como era. O técnico advertiu Jorginho levemente depois dos erros, falando também com o espanhol em seguida. Eram conselhos, não reclamações.

Kepa foi para o vestiário e tomou um longo banho. Jorginho chegou pouco tempo depois e fez o mesmo, do outro lado do local. Não o viu.

Saiu do banho e se trocou. O brasileiro estava sentado em um banco, distraído com o celular. Quando ele foi para a porta do vestiário, esbarraram-se. O goleiro quebrou o silêncio.

— Agora nós vamos nos ignorar? — ele perguntou, meneando a cabeça.

— Não. Eu só estava... refletindo.

Cartas | Kepa ArrizabalagaOnde histórias criam vida. Descubra agora