Dor

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No outro dia

Kepa acordou com dores nas costas. Dormiu na poltrona com o corpo torto enquanto segurava uma das mãos de Isabel. Ela parecia mais tranquila do que nunca, mas ele entendeu o motivo assim que se levantou.

Acreditar e aceitar configuravam duas atitudes muito fortes para alguém que viveu tantas incertezas. O espanhol se viu fragilizado no momento em que olhou para o monitor de batimentos cardíacos. Apesar de o aparelho não emitir nenhum som, a linha verde — que antes oscilava — estava inerte.

Isabel o deixou com um enorme vazio no peito. Ainda incrédulo, segurou as mão gélida da melhor amiga e lembrou do dia em que se conheceram. Teria sido um acaso ou o destino?

Pois Kepa não acreditou no destino. Terrível, implacável... quase criminoso. O destino roubou o futuro dela e levou-a para sempre. Roubou tudo que ainda poderiam viver.

Ele balançou a cabeça e negou para si o que havia acontecido. Respirou fundo diversas vezes e tentou se recompor, mas no fundo sabia a verdade. Só precisava acreditar. Em seguida, teria que aceitar a partida dela.

Mas era muito para compreender ao mesmo tempo. O perfume dela ainda estava presente no quarto e continuaria nas memórias dele. A partir daquele dia, Isabel seria apenas uma lembrança. Um dos últimos elos da vida que deixou para trás na Espanha. Um dos últimos elos com a antiga versão dele. Uma versão que não conheceu a maldade das pessoas. Uma versão que não havia se machucado tanto.

Acreditar. Aceitar. Os verbos se repetiam na mente dele sem parar, causando um efeito contrário: incredulidade e recusa. A morte dela era inaceitável e a dor que invadiu a vida dele o assustou. Nunca havia sentido nada igual. Kepa gritou com toda a força que podia para lidar com a situação, mas não deu certo. Piorou.

Jorginho acordou e se levantou do sofá que havia no quarto. Foi até ele e confirmou o que já imaginava. Envolveu-o em um abraço forte e difícil.

— Sinto muito, meu amor — o brasileiro deu leves toques nas costas do outro para acalmá-lo. — Ela morreu dormindo... foi melhor assim. Não sentiu dor, não sofreu... Isa está em um bom lugar agora. Não tem mais sofrimento. Estou ao seu lado e vamos passar por isso juntos.

— Ela gostava tanto de viver... — Kepa ficou inconsolável. A voz mudou para um tom triste e os olhos ficaram inchados com o choro. — Jorgi, eu não consigo... não tenho forças para isso.

— Ei, ouça uma coisa. Eu já te vi passar por muitas coisas e você chegou até aqui... sei que está doendo e vai incomodar por algum tempo, mas quando esse período difícil passar os momentos felizes que tivemos com ela vão nos fazer bem.

— Eu não tenho cabeça para lidar com a burocracia — o goleiro separou o abraço e secou as lágrimas.

— Não precisa. Faço isso por você. Quer se despedir dela antes de eu chamar alguém?

Kepa assentiu e foi deixado sozinho no quarto. Jorginho aproveitou para avisar os amigos e o técnico. Seria impossível manter a programação da tarde no centro de treinamento.

— Que merda... eu gostava tanto dela — Kovačić se encontrou com o brasileiro no corredor que levava ao quarto e o abraçou. — Sinto muito, cara. Como ele está?

— Obrigado. Ele não vai lidar bem com isso... estou preocupado com as próximas horas, sabe? Ainda preciso começar a cuidar do funeral e parece que a minha cabeça vai explodir.

— Eu posso levá-lo para longe daqui por algum tempo... assim você resolve tudo com calma.

— Leve o Kepa para a sua casa. A dele está cheia de lembranças, talvez não faça tão bem agora.

Cartas | Kepa ArrizabalagaOnde histórias criam vida. Descubra agora