Bilbao

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Bilbao, Espanha

Kepa chegou à cidade e quis ser o último a sair do avião. Ele encarou o caminho que faria até o desembarque por algum tempo e criou coragem para cruzar o aeroporto até os pontos de táxi. Entrou em um dos carros e foi para um hotel próximo à casa onde morou. Largou a mochila sobre a cama quando entrou no quarto e saiu em seguida para procurar um bar nos arredores na intenção de beber um pouco.

No caminho, ele enviou uma mensagem para Juan avisando sobre a chegada e falou com os pais brevemente pelo telefone. Depois que Isabel partiu a saudade da própria família sempre o deixava com o coração apertado.

Uma dupla cantava músicas em basco no pequeno palco, conferindo ao ambiente um tom ainda mais familiar. Quando a apresentação chegou ao fim, ele pagou a conta e resolveu andar pelas ruas. Como não estava tão tarde, pôde ver algumas pessoas se divertindo.

Parou de caminhar quando viu um homem e uma mulher levemente parecidos com ele e Isabel do outro lado da rua. Os dois davam passos seguros e tranquilos assim como ele fazia quando se encontrava com a amiga. Kepa desejou do ponto mais profundo da alma que o tempo voltasse só por alguns minutos para que sentisse o abraço do qual mais sentia falta.

Ele voltou a andar e chegou perto da lanchonete onde costumavam se encontrar quando tinham algum tempo livre. Olhou para o lugar pelo lado de fora como se procurasse por alguém que não chegaria mais. Decidiu entrar. O ambiente parecia mais decadente do que nas semanas anteriores — quando os dois comeram sanduíches e tomaram milkshakes pela última vez.

— Boa noite, Miguel — o goleiro o cumprimentou.

— Boa noite, Kepa — o dono da loja sorriu ao vê-lo. — Não esperava vê-lo tão cedo por aqui, já que vem a Bilbao com pouca frequência. Isabel está melhor? Lembro que ela esteve aqui com você da última vez e disse que estava doente.

— Ela se foi — o sorriso fraco no rosto dele se desfez. A alegria momentânea de estar em um local onde costumava passar algum tempo com a melhor amiga virou pó.

— Eu sinto muito. Ela era uma cliente muito gentil... sempre pedia o combo número um.

— Isabel dizia que era por conta do número da camisa que eu vestia quando jogava aqui no Athletic — ele olhou para as placas com as combinações e decidiu. — Quero um.

— Então você vai quebrar a tradição de pedir o número cinco? — o dono da lanchonete ficou surpreso.

— Hoje sim. Por ela — Kepa sorriu e entregou o cartão de crédito para o homem. — Ah, e também quero creme de queijo nas batatas fritas. Exatamente como ela pedia.

Miguel foi à cozinha e preparou o lanche. O goleiro se sentou em uma das mesas com vista para a rua — eram as preferidas deles quando se encontravam para estudar ou simplesmente passar o tempo conversando. Tudo lembrava Isabel: desde os vidros com baunilha e canela em pó até o ketchup e o molho especial preparado pela esposa de Miguel, que o ajudava na cozinha.

A lanchonete envelheceu com o tempo e se tornou um lugar cheio de memórias para ele, que jamais passava por Bilbao sem deixar de fazer uma visita. As paredes, cheias de prêmios e fotos contando a história do estabelecimento familiar, ouviram os maiores sonhos de Kepa e de Isabel.

De certa forma, ambos realizaram boa parte do que planejaram: ele se tornou um goleiro campeão e ela trabalhava como designer de interiores. Estavam felizes e encontraram inúmeros motivos para celebrarem a vida, mas a interrupção dos sonhos dela o atingiu em cheio.

Miguel deixou a tradicional bandeja verde sobre a mesa com uma porção de batatas fritas em dobro como cortesia por anos de fidelidade ao estabelecimento. Kepa agradeceu a gentileza do homem e olhou para o assento logo à frente, onde Isabel costumava se sentar. Comeu com calma enquanto ouviu música. O bom gosto dos donos para a trilha sonora na lanchonete ecoava como um som familiar.

Cartas | Kepa ArrizabalagaOnde histórias criam vida. Descubra agora