capítulo 12

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John Keating: Existe um tempo para ousadia e um tempo para cautela, e o homem sábio sabe o momento
de cada um deles.
(Sociedade dos poetas mortos)

Não consegui fugir. Tive que acordar, ir pra aula e enfrentar tudo aquilo que eu já tinha previsto. Só que
apareceu uma novidade na sala hoje. Eu cheguei atrasada (pra variar...) e me sentei perto da Gabi. Quando olhei
para o lado, crente que iria ver o Leo, notei que a carteira dele estava vazia. Olhei pra Gabi e nem precisei
perguntar, ela simplesmente apontou a caneta lá pra frente com uma cara de nojo e eu vi os dois conversando
animadamente, como se a professora não estivesse na sala.
Claro que, com a Vanessa, ninguém implica, já que ela é puxa-saco dos professores todos. Ai se fosse eu que
estivesse conversando assim! Já teria levado uma suspensão, no mínimo! Se eu fosse o Leo, tomaria cuidado. Se
algum professor resolvesse chamar a atenção, a culpa cairia toda sobre ele! Mas parecia que ele não estava muito
preocupado, continuou batendo papo a aula inteira. E o mais impressionante é que a Vanessa parecia estar rindo...
no mínimo estava rindo da cara dele e ele nem percebeu!
Na hora do recreio, a Gabi foi comigo entregar o bilhete assinado para a diretora (por sorte ela não estava lá e
eu pude deixar com a secretária) e, na saída da sala dela, demos de cara com a Vanessa no corredor. Eu olhei para
os lados pra ver se o Leo também estaria por perto, mas ela estava sozinha, conversando com uma menina do
terceiro ano. Quando nos viu, aumentou um pouco o volume da voz: “Pois é, eu não vejo a hora desse ano acabar
também. Eu já passei em tudo, nem precisaria mais vir à aula, mas tenho umas colegas que nem se tirassem nota
máxima em todas as matérias, o que não é o caso, poderiam faltar, pois qualquer desculpa foi motivo para matarem
aula durante o ano... no mínimo vão levar bomba em frequência”.
Eu devia estar mesmo muito nervosa e tinha motivos para isso. Primeiro, pelo caso do palavrão, segundo, pelo
arraso da prova de ontem, terceiro, pelo fato de não ver a paixão da minha vida há SEIS dias e, por último – mas
não menos importante –, por chegar à aula e ver o meu melhor amigo se derretendo pra cima dessa mesma
sirigaita que agora vinha dando indiretas pro meu lado. Por isso, em vez de ignorar (o que seria esperado de mim),
segurei o braço da Gabi para que ela não passasse reto e parei na frente da Vanessa.
“Oi, Vanessa! Desculpe, acabei ouvindo a sua conversa sem querer... mas foi até bom porque nós estávamos
mesmo querendo falar com você”, eu disse, enquanto a Gabi olhava para mim com olhos arregalados. “Sabe a tal
festinha da nossa sala? Então... ela não vai mais poder ser no prédio da Gabi. É que, como você mesma disse,
estamos correndo o risco de tomar bomba, daí com certeza os pais da Gabi e os meus, que são muito amigos uns
dos outros, não aceitarão essa festa lá. Por isso, é melhor cancelarmos o local de uma vez, para que você tenha
tempo de encontrar um outro local do seu agrado...”.
Falei isso com a cara mais irônica que consegui fazer e, em seguida, puxei a Gabi para fora do corredor sem dar
tempo da Vanessa replicar.
Chegamos ao Gulagulosa, e o Leo estava lá, sentado com a Júlia, a Natália, a Priscila e o Rodrigo. Assim que eu
me aproximei, eles me perguntaram sobre a prova de intercâmbio, eu só suspirei e falei que achava que não tinha
dado, mas que poderia tentar novamente no ano que vem, já que a idade limite é 17 anos. Todo mundo ficou tipo
me consolando, menos o Leo, que não só não disse nada para me animar como também pareceu estar sorrindo.
O Leo está me decepcionando mesmo. Além de estar andando com a Vanessa, fica zoando da minha cara. Puxa,
que amigo é esse? Pena que eu não vou passar na tal prova, eu gostaria muito de arrumar um outro melhor amigo
bem longe daqui, para ele ver o que é bom!
A Gabi me contou que, desde ontem, ele e a Vanessa estão grudados. Ela disse que teve um trabalho em grupo
na aula de Educação Religiosa, e, quando o Leo percebeu que eu não viria mesmo à escola, foi lá na frente e
PEDIU pra entrar no grupo dela! O Leo não tem autoestima, não? No mínimo, ela e as amiguinhas deixaram que
ele entrasse por piedade, mas a Gabi disse que não foi bem assim, que elas pareceram bem felizes por ter um
menino no grupo e que eles ficaram rindo tanto durante a aula inteira que a Irmã Imaculada até teve que chamar a
atenção.
Eu perguntei à Gabi por que ela não convidou o Leo pra participar do grupo dela, e ela veio com aquele papo de
sempre, que não gosta de trabalho em grupo já que uma pessoa sempre assume o papel de líder e faz todo o trabalho enquanto os demais integrantes apenas assinam o nome. Por isso, ela sempre faz todos os trabalhos
sozinha.
Não estou nem aí pro Leo. Se ele quiser trocar de melhor amiga, o azar é dele. Se bem que eu acho que estou
me preocupando à toa. Amanhã, certamente ele vai se sentar do meu lado de novo, ele só deve ter sentado lá na
frente hoje porque pensou que eu iria faltar outra vez. É isso aí, eu nem vou ligar pra essa bobeira, afinal, tenho
coisas mais importantes pra pensar, como o fato da Gabi ter me falado também que o Marquinho não deu aula
ontem e que mandaram uma professora substituta no lugar dele.
Será que ele está doente??? Definitivamente, vou ligar para ele hoje à noite. Se ele tiver saído do colégio, quem
vai adoecer sou eu! Só de pensar em tal possibilidade, meu coração já fica descontrolado. Acho que vou até a
farmácia comprar uma aspirina. Se bem que eu acho que esse meu mal não pode ser curado com nenhum
medicamento tradicional. Um tratamento alternativo daria bem mais resultado, tipo receber a visita do Marquinho
todos os dias na minha casa, de preferência em um horário em que não tivesse ninguém aqui... Ai, meu Deus, não
posso ficar pensando nisso. Só de imaginar tal hipótese, os batimentos do meu coração já dobraram a velocidade!
E o meu rosto está todo vermelho!
Não posso esperar até a noite, senão é capaz de eu ter um ataque e precisar realmente de um médico! Vou ligar
pro Marquinho agora mesmo. Prefiro muito mais que um biólogo resolva essa minha doença...

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora