capitulo 40

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Bruxa malvada: Deve haver algo que seu coraçãozinho deseje. Talvez tenha alguém que você
ame.Branca de Neve: Bem, existe alguém.
(Branca de Neve e os sete anões)

O resto da semana passou do mesmo jeito. O Leo não me deu a mínima atenção e eu comecei a ficar triste de
verdade. As coisas que a Gabi falou não me saíam da cabeça porque eu sabia que ela estava certa. Sim, todos os
amores que eu tive foram muito mais “coisa da minha cabeça” do que reais.
O problema é que, quando eu estou interessada, não consigo agir naturalmente. Disfarço ao máximo os meus
sentimentos, não consigo deixar que o menino perceba que eu estou a fim, como se isso fosse me deixar muito
vulnerável, tipo nas mãos dele. E nas poucas vezes em que eles, apesar do meu disfarce, conseguiram perceber e
fizeram menção de chegar em mim, eu simplesmente estraguei tudo, desviando o olhar e quebrando qualquer
clima que pudesse ter.
Eu não cheguei nem perto de ficar com nenhum dos meus ex-amores. Na verdade eu só beijei três meninos até
hoje: meu primo de segundo grau – aos nove anos – por causa de uma brincadeira de salada de frutas; um tal de
Renato – que em um Réveillon em Cabo Frio me implorou um beijo falando que isso daria boa sorte para ele o ano
inteiro e que eu resolvi beijar só para ele não ficar me culpando caso tivesse azar; e o José Ricardo – meu colega de
inglês, que era apaixonado por mim e com quem eu acabei ficando só para tentar esquecer o Adriano Pinto, que
era a minha paixão na época. Mas nas três vezes foi sem o menor sentimento, fiquei até com um pouco de nojo,
não entendo como minhas amigas podem sair beijando por aí pessoas que nunca viram na frente!
Foi na sexta-feira, depois que o Leo foi embora da prova conversando todo animado com umas meninas da outra
sala, sem nem se despedir de mim, que eu resolvi admitir. Sim, eu realmente devo estar gostando dele. Só isso
explica essa raiva de qualquer garota que chegue perto dele, e também o fato de eu não parar de pensar naquela
dança desde o dia da festa, e ainda essa tristeza tão forte por ele não estar conversando comigo.
No sábado, minha mãe deixou que eu desse uma descansada. Apesar de tudo, eu consegui estudar durante a
semana, não muito, mas o suficiente para sanar qualquer dúvida que eu tivesse. Fiz todos os exercícios passados e
refiz as provas dadas durante o ano. E cada vez mais eu tive certeza de que não tinha motivo para eu estar naquela
recuperação, porque eu realmente estava sabendo a matéria e merecia ter passado direto.
A Gabi e a Natália tinham me ligado pra perguntar se eu não queria ir com elas a uma cartomante, e, como eu
estava louca pra sair de casa, resolvi ir, apesar de não gostar muito dessas coisas.
O lugar era bem longe. O nome dela era dona Amélia. Ela parecia uma dona de casa normal, sem nada de
esotérico, como eu esperava que uma cartomante pudesse ser.
Ela cumprimentou a gente como se nós fôssemos suas netas. Deu um abraço em cada uma, ofereceu cafezinho,
perguntou se estava tudo bem... Eu estava quase achando que a Natália tinha anotado o endereço errado. Foi
quando ela perguntou: “Quem vai ser a primeira?”.
Eu olhei para as meninas com os olhos arregalados, eu não queria ir na frente de jeito nenhum! Aí a Gabi
levantou e entrou com ela em um quartinho. Enquanto isso, eu fiquei conversando com a Natália que é
superentendida de cartomantes, diz ela que já foi a umas quinze! Ela falou que era para eu não sair contando
minha vida para a mulher, que era melhor esperar que ela dissesse alguma coisa, porque senão ela poderia usar o
que eu contasse para falar exatamente o que eu gostaria de ouvir.
A Gabi ficou uma meia hora lá dentro. No final, eu já estava impaciente. Ela saiu do quartinho toda sorridente e
fez sinal pra Natália entrar. Aí ela sentou do meu lado e começou a falar as previsões da dona Amélia.
“Ela falou que esse menino com quem eu estou está muito apaixonado por mim, mas é para eu tomar cuidado
com uma loura! Ela me mandou tomar um banho de sal grosso e cânfora para espantar as energias negativas
porque tem muita gente com inveja.”
Nessa hora, eu interrompi e falei que eu não estava no meio desses invejosos, mas ela continuou o relato
dizendo que sabia disso, pois a dona Amélia tinha dito que ela podia confiar inteiramente em mim e na Natália, que
nós éramos amigas de verdade.
Eu perguntei pra ela como era lá dentro e ela falou que era um quartinho normal, com uma mesinha coberta
com uma toalha roxa, onde ficava o baralho de tarô que ela colocava. Tinha também muitos santos em um altar,
com um copo de água do lado, e um incenso com cheiro de rosas queimando.
Depois de uns 20 minutos, a Natália saiu, com uma cara não muito animada. Eu estava morrendo de curiosidade
para perguntar o que a dona Amélia tinha dito pra ela, mas ela me mandou entrar no quartinho sem dar tempo de
eu perguntar nada.
Eu entrei meio tremendo. Essas coisas sobrenaturais sempre me amedrontam, apesar de me deixarem curiosa.
A dona Amélia sentiu, já que me pediu para sentar e colocar as mãos em cima da mesinha.
“Você está muito tensa, menina!”, ela falou, segurando as minhas mãos no meio das mãos dela. “Vamos fazer
uma oração antes, para abrir os seus caminhos”
Ela começou a rezar o Pai-Nosso, eu acompanhei bem baixinho e, inexplicavelmente, quando terminamos, eu
estava bem mais calma. Ela embaralhou as cartas e pediu pra eu cortar o tarô em três montes. Ela então distribuiu
as cartas de uma forma estranha e começou a falar da minha vida.
“Você é uma pessoa muito boa, muito inteligente, mas não confia nem um pouco em você mesma. Você tem que
se valorizar mais. Quem é esse senhor grisalho que eu estou vendo?”
Eu fiquei tentando descobrir onde ela estaria vendo, mas imaginei que seria lá no meio das cartas dela e falei:
“Bom, grisalho, acho que pode ser o meu pai...”, então ela fez que sim com a cabeça e continuou.
“Seu pai te protege demais. Você é a razão da vida dele, você sabe que é a preferida entre os três filhos, não
sabe?”
Eu quase caí da cadeira! Como ela sabia que nós éramos três irmãos? Ela não esperou que eu respondesse e
tirou outra carta de um dos montes.
“Mas você não confia em ninguém, nem nele. Você está certa, tem que saber para quem contar a sua vida,
quando a gente espalha nossos sentimentos, o vento leva… lembre-se que quando você quiser muito que uma coisa
aconteça, deve guardar para você mesma, manter segredo! Mas isso não quer dizer que você não possa confiar em
ninguém. Sua família é uma pérola. Todos eles te protegem demais, mais até que você gostaria. Você é a
caçulinha?”
Eu disse que sim bem baixinho e ela falou que era por isso, que os filhos caçulas sempre querem andar com suas
próprias pernas, mas os pais e os irmãos não deixam.
“Um dos seus irmãos vai ter um problema no futuro com um bem material. Mas fale para ele não se preocupar
que, no final, tudo vai se resolver da melhor maneira possível. Seus dois irmãos estão na mesma roda cármica que
você, por isso você pode falar o que quiser para eles que eles te entendem. Vocês têm que passar por tudo na vida
juntos, essa não é a primeira encarnação em que vocês são irmãos.”
Eu comecei a ficar com medo de novo, não gosto dessas conversas sobre vidas passadas, espíritos… acho que
ela sacou, porque mudou de assunto.
“Estou te vendo voando pra longe. Você vai viajar, menina?”. Antes que eu respondesse, ela tirou outra carta e
falou: “Vai, sim. Vai para além dos mares. Nossa, vai ser sofrida essa viagem. Mas você vai aprender muito, está no
seu destino”.
Eu fiquei séria, não queria que a viagem fosse sofrida. Ela continuou a olhar para as cartas, deu um sorriso e
olhou para mim, como se estivesse achando graça em alguma coisa.
“Agora, o que está perturbando tanto o seu coração? Tem algum rapazinho especial aí dentro?”
Como eu não falei nada – lembrei-me do conselho da Natália – ela tirou uma carta, balançou a cabeça como se
tivesse descoberto todos os segredos da minha vida e riu para mim.
“Ele está com medo, menina! Ele acha que você não gosta dele!”
Eu fiquei muito interessada e sem querer dei um sorrisinho. Ela se sentiu encorajada e continuou.
“Esse rapaz que eu estou vendo, ele é clarinho, tem o cabelo castanho, liso, é um pouco mais alto que você, mais
ou menos da sua idade…”
“É o Leo!”, eu falei antes que ela terminasse, e ela, como se nem tivesse me escutado, prosseguiu com a
descrição.
“É um pouco machão, gosta de proteger quem ele gosta. Tem um coração muito bom, mas não aceita desaforo,
não!”
Eu ficava só balançando a cabeça, fazendo que sim, e aí ela me perguntou: “Você está apaixonadinha por ele,
não está?”.
Nesse momento, eu nem lembrei que a Natália tinha falado pra eu ficar de boca fechada e muito menos que eu
tenho tendência a esconder o que eu sinto. Falei: “Estou…”, bem baixinho e, nesse momento, senti o mesmo frio na
barriga que eu senti durante a semana inteira a cada vez que o Leo entrava na sala. Parece que, pela primeira vez,
eu realmente entendi e acreditei que eu estava gostando dele, e – surpreendentemente – isso me deu um alívio
imenso.
“Você vai ter que penar um pouquinho. Esse moço está descrente com o sexo feminino. Ele acha que nenhuma
mulher presta. Mas ele tem um carinho muito grande por você, viu? Olha ele aqui, do seu ladinho na mandala das
almas gêmeas! Se você fizer as coisas certinhas vocês podem ter um romance bem bonito…”
“E como eu faço as coisas certinhas?”, eu perguntei quase sem fôlego.
Ela me deu uma olhada séria e falou: “Você sabe exatamente o que tem que fazer. Esse rapaz é seu. Está aqui, ó,
na palma da sua mão. Você só tem que fechar!”.
“E nas meninas, eu não posso confiar?”, eu perguntei apontando para a porta, meio preocupada.
“Você sabe que elas são suas amigas, mas elas confiam muito mais em você do que você nelas. Elas ainda vão te
dar uma grande prova de amizade, e não vai demorar muito!”
Eu não falei mais nada, e ela começou a juntar o baralho.
“Tem mais alguma coisa que você queira perguntar?”, ela falou concentrada em arrumar as cartas.
Eu neguei com a cabeça, eu já tinha escutado tudo o que queria saber, então ela começou a se levantar e aí de
repente eu me lembrei!
“Desculpe, dona Amélia, tenho uma pergunta importante! Eu... vou passar de ano?”
Ela me olhou por uns cinco segundos, tirou uma carta do meio do baralho e me mostrou. Nela tinha uma mulher
segurando uma balança e estava escrito “JUSTIÇA”. Ela olhou a carta, sorriu, e falou: “Se você estudar, não tem
como não passar”.
Então ela recolocou a carta no monte, me deu um abraço, fez um sinal da cruz na minha testa e abriu a porta
para que eu saísse.

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